Por audiência dos interessados entende-se o momento no procedimento
administrativo que permite a participação dos particulares, de modo a evitar as
decisões surpresa (MR de Sousa, 2009) e a moldando-as conforme os fundamentos
expostos pelos interessados. Esta participação confere à administração a
possibilidade de decidir em consensualidade e conformidade com a lei.
Regulada nos arts. 121.º a 125.º, CPA, a audiência dos interessados
concretiza dois princípios gerais da atividade administrativa enunciados nos
arts. 11.º e 12.º, CPA, correspondentes ao princípio da colaboração com os
particulares e ao princípio da participação, respetivamente. Para além do mais,
a audiência dos interessados está prevista constitucionalmente no art. 267.º/5,
CRP. Esta norma encarrega o órgão administrativo competente com a obrigação de
comunicar aos particulares o sentido no qual pretende decidir, devidamente
fundamentado. Assim, o particular, conhecendo o pendor da decisão da administração,
pode contra-argumentar através da sua participação no procedimento.
No CPA de 1991, o esquema de decisão da Administração não incluiu a
audiência dos interessados, sendo o seu funcionamento baseado num procedimento
tripartido: requerimento, informação dos serviços e decisão final (DF do Amaral, 2016). Ora,
este processo não permitiu a participação de particulares no ato de decisão e
estes teriam conhecimento da mesma quando esta já seria um facto consumado.
A mudança com o CPA de 2015 trouxe um novo método de decisão: requerimento, informação dos serviços, audiência
do interessado e decisão (DF do
Amaral, 2016). O direito à audiência prévia alterou os procedimentos,
introduzindo uma nova fase onde o particular seria chamado a pronunciar-se
sobre as questões relevantes para a decisão final da Administração (art.
121.º/2, CPA).
A notificação dos interessados para apresentação dos seus contra-argumentos
compete ao diretor do procedimento, de acordo com o art. 122.º/1, CPA, com esta
a poder assumir uma de duas formas, ou seja, a audiência escrita ou a audiência
oral. A escolha da forma mais apropriada para a audiência dos interessados é um
poder discricionário do diretor do procedimento (DF do Amaral, 2016). Caso seja
convocada uma audiência escrita, o particular deve ser notificado por escrito e
as suas respostas devem ser devolvidas da mesma forma dentro de um prazo de dez
dias ou mais (art. 122.º/1, CPA). Se, pelo contrário, for escolhida a audiência
oral, então esta deve realizar-se presencialmente sendo levado a cabo o registo
das alegações prestadas pelo interessado (art. 123.º/1 e 4, CPA).
A lei considera a audiência dos interessados desnecessária nas situações
enunciadas no art. 124.º, CPA. Estes motivos devem ser devidamente
fundamentados, pelo que não basta a mera invocação da base jurídica que a
antecipa para dispensar a audiência. Fora destes casos, quando a audiência é
obrigatória ou não é dispensada, mas não se realiza, existe um vício de forma
pela omissão de uma formalidade essencial (DF do Amaral, 2016).
Nestes casos, a doutrina não é unanime quanto à sanção atribuída a este
vicio, com esta a oscilar entre a nulidade ou a anulabilidade do
ato final. As posições dos diversos autores variam conforme a sua qualificação
do direito à audiência prévia, isto é, se o consideram um direito fundamental
ou não:
®
O professor Freitas do Amaral, apoiado
na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, encara o direito de
audiência prévia dos interessados como um direito subjetivo público. Este
direito é um garante ao sistema de proteção dos particulares face à Administração,
contudo, o autor não assume o mesmo como parte do elenco dos direitos
fundamentais. Assim, a sanção aplicável ao ato final do procedimento será a
anulabilidade, segundo o art. 163.º/1, CPA. A esta posição parecem aderir os
professores João Caupers e Pedro Machete.
®
Já os professores Sérvulo Correia,
Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Pereira da Silva consideram que a sanção a
aplicar ao ato final deve ser a nulidade, com base no art. 161.º/2-d, CPA.
Segundo estes autores, a Constituição reconhece aos indivíduos um leque de
direitos subjetivos com natureza de direitos fundamentais perante a Administração.
No seu art. 16.º, a Constituição consagra o princípio da não tipicidade dos
direitos fundamentais, permitindo qualificar as posições jurídico
constitucionais de vantagem do cidadão face à Administração como direitos,
liberdades e garantias de natureza análoga (VP da Silva, 2016). Sempre que um
direito fundamental dos particulares possa ser violado por uma decisão
administrativa, os interessados devem necessariamente ser ouvidos pela
Administração de modo a defender os seus direitos. A não realização da
audiência afeta um direito fundamental dos cidadãos e, por isso, deve
considerar-se o ato como nulo.
A audiência dos interessados constitui uma fase essencial do procedimento
administrativo que assegura a participação dos particulares na formação da
decisão da administração, tal como exigido constitucionalmente.
A sua omissão no procedimento, quando a lei não dispensa esta etapa, conduz
a um vício de forma cuja sanção varia conforme a visão atribuída à audiência.
Tendo em conta o que foi exposto, penso que a audiência dos interessados
deve ser considerada um direito fundamental atípico dos cidadãos, assim
resultando na nulidade do ato que resulta do processo onde esta fase não se
verificou.
Bibliografia:
o
Caupers, João:
Introdução ao Direito Administrativo,
12ª edição, Âncora Editora, 2016;
o
Freitas do
Amaral, Diogo: Curso de Direito
Administrativo, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2017;
o
Pereira da
Silva, Vasco: Em Busca do Ato
Administrativo Perdido, Almedina, 2016;
o
Rebelo de
Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André: Direito
Administrativo Geral – Tomo III – Atividade administrativa, 2ª edição, Dom
Quixote, 2009.
Ana Brito (56896)
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