sábado, 28 de abril de 2018

O Procedimento Administrativo - A Audiência dos Interessados



Por audiência dos interessados entende-se o momento no procedimento administrativo que permite a participação dos particulares, de modo a evitar as decisões surpresa (MR de Sousa, 2009) e a moldando-as conforme os fundamentos expostos pelos interessados. Esta participação confere à administração a possibilidade de decidir em consensualidade e conformidade com a lei.
Regulada nos arts. 121.º a 125.º, CPA, a audiência dos interessados concretiza dois princípios gerais da atividade administrativa enunciados nos arts. 11.º e 12.º, CPA, correspondentes ao princípio da colaboração com os particulares e ao princípio da participação, respetivamente. Para além do mais, a audiência dos interessados está prevista constitucionalmente no art. 267.º/5, CRP. Esta norma encarrega o órgão administrativo competente com a obrigação de comunicar aos particulares o sentido no qual pretende decidir, devidamente fundamentado. Assim, o particular, conhecendo o pendor da decisão da administração, pode contra-argumentar através da sua participação no procedimento.

No CPA de 1991, o esquema de decisão da Administração não incluiu a audiência dos interessados, sendo o seu funcionamento baseado num procedimento tripartido: requerimento, informação dos serviços e decisão final (DF do Amaral, 2016). Ora, este processo não permitiu a participação de particulares no ato de decisão e estes teriam conhecimento da mesma quando esta já seria um facto consumado.
A mudança com o CPA de 2015 trouxe um novo método de decisão: requerimento, informação dos serviços, audiência do interessado e decisão (DF do Amaral, 2016). O direito à audiência prévia alterou os procedimentos, introduzindo uma nova fase onde o particular seria chamado a pronunciar-se sobre as questões relevantes para a decisão final da Administração (art. 121.º/2, CPA).

A notificação dos interessados para apresentação dos seus contra-argumentos compete ao diretor do procedimento, de acordo com o art. 122.º/1, CPA, com esta a poder assumir uma de duas formas, ou seja, a audiência escrita ou a audiência oral. A escolha da forma mais apropriada para a audiência dos interessados é um poder discricionário do diretor do procedimento (DF do Amaral, 2016). Caso seja convocada uma audiência escrita, o particular deve ser notificado por escrito e as suas respostas devem ser devolvidas da mesma forma dentro de um prazo de dez dias ou mais (art. 122.º/1, CPA). Se, pelo contrário, for escolhida a audiência oral, então esta deve realizar-se presencialmente sendo levado a cabo o registo das alegações prestadas pelo interessado (art. 123.º/1 e 4, CPA).

A lei considera a audiência dos interessados desnecessária nas situações enunciadas no art. 124.º, CPA. Estes motivos devem ser devidamente fundamentados, pelo que não basta a mera invocação da base jurídica que a antecipa para dispensar a audiência. Fora destes casos, quando a audiência é obrigatória ou não é dispensada, mas não se realiza, existe um vício de forma pela omissão de uma formalidade essencial (DF do Amaral, 2016).
Nestes casos, a doutrina não é unanime quanto à sanção atribuída a este vicio, com esta a oscilar entre a nulidade ou a anulabilidade do ato final. As posições dos diversos autores variam conforme a sua qualificação do direito à audiência prévia, isto é, se o consideram um direito fundamental ou não:

®       O professor Freitas do Amaral, apoiado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, encara o direito de audiência prévia dos interessados como um direito subjetivo público. Este direito é um garante ao sistema de proteção dos particulares face à Administração, contudo, o autor não assume o mesmo como parte do elenco dos direitos fundamentais. Assim, a sanção aplicável ao ato final do procedimento será a anulabilidade, segundo o art. 163.º/1, CPA. A esta posição parecem aderir os professores João Caupers e Pedro Machete.
®       Já os professores Sérvulo Correia, Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Pereira da Silva consideram que a sanção a aplicar ao ato final deve ser a nulidade, com base no art. 161.º/2-d, CPA. Segundo estes autores, a Constituição reconhece aos indivíduos um leque de direitos subjetivos com natureza de direitos fundamentais perante a Administração. No seu art. 16.º, a Constituição consagra o princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais, permitindo qualificar as posições jurídico constitucionais de vantagem do cidadão face à Administração como direitos, liberdades e garantias de natureza análoga (VP da Silva, 2016). Sempre que um direito fundamental dos particulares possa ser violado por uma decisão administrativa, os interessados devem necessariamente ser ouvidos pela Administração de modo a defender os seus direitos. A não realização da audiência afeta um direito fundamental dos cidadãos e, por isso, deve considerar-se o ato como nulo.

A audiência dos interessados constitui uma fase essencial do procedimento administrativo que assegura a participação dos particulares na formação da decisão da administração, tal como exigido constitucionalmente.
A sua omissão no procedimento, quando a lei não dispensa esta etapa, conduz a um vício de forma cuja sanção varia conforme a visão atribuída à audiência.
Tendo em conta o que foi exposto, penso que a audiência dos interessados deve ser considerada um direito fundamental atípico dos cidadãos, assim resultando na nulidade do ato que resulta do processo onde esta fase não se verificou.

Bibliografia:
o   Caupers, João: Introdução ao Direito Administrativo, 12ª edição, Âncora Editora, 2016;
o   Freitas do Amaral, Diogo: Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2017;
o   Pereira da Silva, Vasco: Em Busca do Ato Administrativo Perdido, Almedina, 2016;
o   Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André: Direito Administrativo Geral – Tomo III – Atividade administrativa, 2ª edição, Dom Quixote, 2009.


Ana Brito (56896)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Administração pública online

Administração Pública online                     Com o avanço do mundo digital, tem-se procurado desenvolver os meios de trabalho e serviços...