Cumpre desde logo referir que o novo CPA, em
comparação com o diploma precedente, optou por desenvolver de forma muito mais
detalhada o regime da validade do regulamento administrativo.
A validade constitui um parâmetro de verificação da adequação
dos atos jurídicos, averiguando o cumprimento por estes das condições definidas
e impostas pelo ordenamento jurídico, necessárias para que lhes seja
reconhecida capacidade de produzir os efeitos jurídicos pretendidos. Podemos
portanto afirmar que esta compreende uma propriedade relacional de pertença da
norma regulamentar ao ordenamento.
Simetricamente, a invalidade é a propriedade negativa, que deriva do não
preenchimento dessas mesmas condições.
No fundo, a validade afere-se por meio de um padrão
de consistência entre uma norma e todas as normas que versam sobre produção
jurídica e lhe sejam aplicáveis.
Entre estas últimas encontram-se:
- normas de competência: imputam a um órgão a aptidão para dispor juridicamente sobre determinada matéria (no caso da competência regulamentar, a aptidão para se criarem normas);
- normas procedimentais: disciplinam o prcedimento de criação dos actos jurídicos;
- normas de forma: definem a categoria do acto jurídico no qual as normas a criar se integram (v.g., normas que reservam uma determinada matério para um tipo específico de acto jurídico);
- normas de conteúdo: regulam a substância das normas a criar
Desta distinção de diferentes categorias de normas
que condicionam os atos normativos regulamentares, podemos extrair diferentes
considerações e distinções, quanto aos e efeitos que resultam das respetivas
relações normativas que entre estes se estabelecem.
Em primeiro lugar, cumpre dizer que da relação que diretamente
emerge entre a norma regulamentar produzida e as normas sobre produção jurídica
que lhe sejam aplicáveis resultam distintas consequências possíveis, conforme o
que esteja aí em causa:
- infração normativa: está em causa uma situação de infração sempre que da criação da norma regulamentar advenha um não respeito de normas que integrem alguma das três primeiras categoriais supra referidas (de competência, procedimentais ou de forma);
- conflito normativo: resulta dos não respeito de normas que integrem a quarta categoria (de conteúdo), derivando de uma proibição de incompatibilidade na contraposição entre normas distintas. A invalidade, neste último caso, decorre não da infração normativa de condutas, mas de um conflito entre a norma criada e normas hierarquicamente superiores que integrem o mesmo ordenamento jurídico.
Depois, é ainda importante ter em conta que, a
violação de normas procedimentais e de forma é imputável a todo o acto jurídico
regulamentar que as atinge, i.e., globalmente considerado.
Já se se tratar de violação de normas de competência
e de conteúdo, que têm por objeto o domínio material de criação normativa e o conteúdo
das normas que regulam, estamos perante uma invalidade que se repercute apenas em
exclusivo nas normas violadoras e não necessariamente no conjunto do ato
normativo. Ou seja, neste último caso, imputa-se a violação de normas de
competência e de normas de conteúdo à norma criada por órgão incompetente ou
que haja sido criada em sentido incompatível com o prescrito em norma
hierarquicamente superior.
Vamos agora passar a analisar especificamente os vários
tipos de invalidade e respetivos requisitos, em função do tipo de norma de produção jurídica atingida pelo ato regulamentar.
Condições de validade que
decorrem de normas procedimentais
Não tendo para já em conta as normas sobre a
iniciativa regulamentar particular (artigo 97.º CPA), cabe dizer que no
essencial o regime procedimental contempla, dentro das tradicionais fases, três
pontos particularmente pertinentes:
·
o dever de publicitação do início do
procedimento;
·
o dever de elaboração de projeto de acto regulamentar
no final da fase instrutória; e
·
o dever de permissão de participação dos
interessados.
O artigo 100.º do CPA prescreve a audiência, em
prazo razoável não inferior a 30 dias, dos interessados constituídos no
procedimento para regulamentos com normas imediatamente operativas (ou seja,
capazes de afetar de modo direito e imediato direitos ou interesses legalmente
protegidos.
O cumprimento das normas procedimentais é condição
da validade do acto jurídico regulamentar conclusivo. Este traz associadas –
exceto em casos de meras irregularidades, decorrentes de formalidades in concreto não essenciais – o repositório
de eventuais ilegalidades instrutórias verificadas no procedimento antecedente.
Como é natural, também a fase conclusiva do
procedimento, consubstanciada na tomada de decisão ou deliberação de criação do
acto regulamentar, é por reflexo afetada pela violação de normas que regulem os
meios a partir dos quais essa manifestação de vontade deve surgir.
Condições validade que decorrem
de normas de forma
Os regulamentos que contenham normas com eficácia
externa devem necessariamente assumir a forma escrita.
Dentro da forma escrita, as formas especiais variam
de acordo com o órgão com competência regulamentar em causa, bem como de acordo
com o tipo de regulamento ou com o seu conteúdo.
O critério da forma é especialmente relevante, no
âmbito do CPA, para a estruturação hierárquica regulamentar. O artigo 138.º,
n.º 3 realiza essa mesma ordenação: 1.º decreto
regulamentar; 2.º resoluções
normativas do Conselho de Ministros; 3.º portarias e 4.º despachos.
Desta prevalência descrita resulta que o
entendimento do legislador vai no sentido de reconhecer valor hierárquico
superior aos regulamentos aprovados por forma mais solene ou através de um
procedimento agravado, devendo estes prevalecer sobre aqueles que tenham sido
aprovado sob forma menos solene ou procedimento menos agravado.
Condições de validade
decorrentes de normas de conteúdo
O artigo 143.º, n.º 1 CPA estatui a invalidade de
normas regulamentares incompatíveis com normas constitucionais e legais e,
também, com normas de direito internacional e da União Europeia. Cumpre precisar
que a respeito destas últimas duas, a invalidade limita-se aos casos de
conflito com normas recebidas automaticamente pelo ordenamento português (v.g., regulamentos da União Europeia)
A invalidade que resulta de uma incompatibilidade
normativa, só ocorre caso o conflito normativo em questão for necessário e não meramente
contigente. Ou seja: só quando se verifique que em toda e qualquer ocasião
aplicativa a norma regulamentar conflitua com uma norma superior, será aquela
considerada inválida.
A dimensão problemática que assume a relação entre
normas regulamentares e normas legais regulamentadas resulta, desde logo, do
estabelecido no artigo 112.º, n.º 5 da CRP. Neste preceito prescreve-se a
proibição de criação, com eficácia externa, de normas regulamentares,
integrativas ou interpretativas de normas e textos legais.
Invalidade resultante de
violação de normas regulamentares de conteúdo
O novo CPA veio integrar normas de resolução de
conflitos entre normas regulamentares de proveniências orgânicas diversas, o
que representa uma verdadeira novidade relativamente à lei anterior.
Na estruturação da prevalência invalidante entre
normas regulamentares conflituantes, ponderam-se dois critérios determinantes:
a hierarquia e a especialidade.
O artigo 138.º CPA determina a prevalência prima facie das normas governamentais
face às que resultam do exercício normativo-regulamentar pelas regiões
autónomas, autarquias locais e outros sujeitos administrativos.
Para que esta norma (de conflitos) atue, necessário
é que se verifique uma situação de sobreposição de atribuições dos sujeitos que
integram os órgãos com competência regulamentar. Não entram na esfera da
resolução de conflitos, portanto, as normas regulamentares emanadas na
prossecução de interesses exclusivamente cometida à instância governamental,
que portanto não dispensem a regulação efetivada por esta. Também não se
aplicará no contexto de autonomias normativas infra-estaduais reservadas, e ainda
que ao abrigo de interesses mais restritos.
Esta regra geral de prevalência hierárquica de normas
regulamentares governamentais sobre normas regulamentares de sujeitos
infra-estaduais, é excecionada caso estas últimas revistam-se de natureza especial.
Contudo, a especialidade aqui salvaguardada (artigo
138.º, n.º 1 e 2, in fine CPA)
refere-se apenas à especialidade material (a forma como o enunciado do artigo
está redigido suscita dúvidas e equívocos), visto que seria tautológica
qualquer referência à especialidade se assim não fosse, pois as normas
regulamentares provenientes de sujeitos infra-estaduais são sempre
geograficamente especiais relativamente às governamentais.
As demais normas de conflitos inter-regulamentares
resultam do n.º 2 do artigo 143.º CPA. Trata-se aí a prevalência de normas
regulamentares do superior hierárquico sobre as dos subalternos, das dos órgãos
superintendentes sobre as dos órgãos superintendidos, bem como a prevalência de
normas integradas em regulamentos de órgãos delegantes sobre as que são criadas
por delegados (exceto se a competência delegada incluir a própria faculdade de
criar regulamentos. A exceção que surge posteriormente é evidente: não são inválidas
as normas criadas pelo delegado que conflituem com normas criadas pelo delegante
em momento anterior à delegação, na medida em que este conflito resolve-se, em
consequência do efeito translativo da competência, pela regra lex posterior e não pelo efeito
invalidade de lex superior.
Por fim, no artigo 143.º, n.º 2, al. c), postula-se a parametricidade
material como critério de resolução de conflitos inter-normativos, ao prever
que são inválidas as normas que desrespeitem o conteúdo dos estatutos emanados
ao abrigo de autonomia normativa nos quais se funde a competência para a
respetiva emissão.
Bibliografia
- Almeida, Mário Aroso de. Teoria Geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (4.ª Edição). Coimbra.
- Lopes, Pedro Moniz. Objeto, condições e consequências da invalidade regulamentar no novo CPA. In Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, vol. II. Lisboa: AAFDL Editora.
- Vasco Pereira da Silva, Aulas Teóricas na Regência da turma B de Direito Administrativo II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018.
Bruno Silva, n.º 57244
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