O procedimento regulamentar tem como objetivo a aprovação de
um regulamento, cuja noção geral deve ser compreendida antes de avançar para
análise da fase da audiência dos interessados e a fase da consulta pública em especial.
No Antigo CPA não existia nenhuma noção de regulamento, uma
vez que a doutrina e jurisprudência já o tinham concretizado como “as normas
jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada”.
Por sua vez, o Novo CPA apresenta uma noção de regulamento administrativo no
Art. 135º, “(...) as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”,
que deve ser conjugada com a noção anterior.
Na parte final do Art. 135º encontramos o elemento inovador
da definição, restringindo a noção de regulamento apenas àqueles que “(...)
visem produzir efeitos jurídicos externos”, excluindo do objeto do procedimento
os regulamentos internos, isto é, os regulamentos que não produzem efeitos
relativamente aos interesses legalmente protegidos dos particulares.
O procedimento regulamentar encontra-se, com o Novo CPA
regulado pela primeira vez entre o Art. 97º e o Art. 101º. No entanto, o Art.
96º não exclui a aplicação do regime comum do procedimento administrativo
constante do Titulo I da Parte III. No que respeita ás fases do procedimento
estas encontram-se estabelecidas na doutrina, em especial por Carlos Blanco de
Morais, Mário Aroso de Almeida e Marcelo Rebelo de Sousa, contemplando 4 fases:
iniciativa (Art. 97º e Art. 98º do CPA); instrução do projeto de regulamento
(Art. 99º do CPA); participação dos interessados; aprovação, publicação e
vigência (Art, 137, Art. 139º e Art, 140º do CPA). A fase da participação dos
interessados no procedimento regulamentar pode ocorrer em duas modalidades
distintas: audiência prévia (Art. 100º do CPA) ou consulta pública (Art. 101º
do CPA).
Uma vez aprovado o projeto de regulamento, no caso de este
conter disposições que afetem de modo direto e imediato direitos ou interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, o órgão responsável pela direção do
procedimento tem de submeter o projeto de regulamento, por prazo não inferior a
30 dias, a audiência dos interessados que se tenham constituído no
procedimento, conforme resulta do Art. 100/1. Assim, a audiência dos
interessados só se verifica se em causa estiver um regulamento cujos efeitos se
produzam imediatamente, sem necessidade de um ato concreto de aplicação,
excluindo assim os regulamentos dependem de regulamentos de execução ou que
envolvem discricionariedade por parte da Administração Pública. A audiência dos
interessados tem carácter obrigatório quando os procedimentos visem a aprovação
de regulamentos desfavoráveis para os seus destinatários, no entanto, uma
audiência de todos os interessados seria pouco exequível, uma vez que os
destinatários dos regulamentos não são em regra identificáveis, tratando-se de
normas gerais e abstratas, daí que se tenha consagrado que apenas os particulares
que sejam afetados de modo direito ou imediato nos seus direitos e interesses
legalmente protegidos se possam constituir como interessados no procedimento.
Por exemplo, as associações que defendam os interesses coletivos dos seus
associados que sejam imediata ou diretamente afetados pela norma podem
constituir-se como interessados no procedimento, como resulta do Art. 68º do
CPA, podendo ser invocados para efeito de constituição como interessado,
interesses coletivos, individuais e difusos. Segundo o Art. 117º do Antigo CPA,
podiam constituir-se como interessados na audiência as entidades reconhecidas
por lei que reassentassem os interesses afetados e cujos fins tivessem relação
direta com o objeto de tais disposições. Assim, com o Novo CPA a audiência dos
interessados foi reforçada, na medida em que o Antigo CPA permitia que esta
figura fosse afastada por motivos de interesse público, e o Novo CPA admite no
Art. 100º/3 e 4 que a audiência dos interessados só pode ser afastada mediante
decisão devidamente fundamentada:
à
quando a emissão do regulamento seja urgente
à
seja de prever que a diligência possa comprometer a execução ou utilidade do
regulamento
à
o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne
incompatível, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública.
à
os interessados já se tenham pronunciado no procedimento sobre as questões que
importam à decisão.
O Art. 101º/1 estabelece as duas situações em que o órgão
competente deve submeter o projeto de regulamento, após a aprovação do mesmo, a
consulta pública: no caso da alínea c) do nº3 do Art. 100, quando a natureza da
matéria o justifique; ou quando “O número de interessados seja de tal forma
elevado que a audiência se torne incompatível”. Para o efeito de ser submetido
a consulta pública, o projeto de regulamento é publicado no sitio oficial da
entidade pública na internet, na 2ª Série do Diário da República ou na publicação
oficial da entidade em causa, de modo a que os interessados possam deste ter
conhecimento, dispondo estes de um prazo de 30 dias desde a publicação para
apresentar por escrito as suas sugestões.
Na primeira situação, em que a natureza da matéria
justifique a consulta pública, devemos ter em atenção aos projetos de
regulamento que possam abranger muitos destinatários e com interesses difusos,
como por exemplo, o urbanismo, o ambiente, a saúde pública, a qualidade de vida
ou o património coletivo. Na segunda situação, em que o número de interessados
seja de tal forma elevado que a audiência seja praticamente inexequível, a audiência
dos interessados é realizada segundo o modelo de consulta pública, sendo claro
que o modelo de audiência dos interessados não se afigura o mais adequado
quando existe muitos particulares interessados.
Assim, a audiência dos interessados e a consulta pública são
duas modalidades de participação dos interessados no procedimento de elaboração
de regulamentos administrativos, tendo como traço distintivo que na consulta pública
os interessados não se encontram constituídos no procedimento, não sendo por
isso notificados para se pronunciarem sobre o projeto de regulamento, mas tem
conhecimento do mesmo através da sua publicação normalmente no sitio oficial da
internet da entidade pública e podem apresentar sugestões todos os
interessados. Por outro lado, a audiência dos interessados necessita que haja
particulares que se tenham constituído como interessados no procedimento, sendo
assim identificados nesta sede e a partir daí, apenas os interessados constituídos
são convocados a apresentarem sugestões.
Bibliografia:
Bibliografia:
- Amaral, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Volume II. Almedina, 2016 (3ª edição), Coimbra.
- Almeida, Mário Aroso de. Teoria Geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (4ª Edição), Coimbra.
- Caupers, João. Introdução ao Direito Administrativo. Âncora Editora, 2013 (12ª edição), Lisboa.
- Morais, Carlos Blanco de. Novidades em matéria da disciplina dos regulamentos no Código de Procedimento Administrativo em O Novo Código do Procedimento Administrativo. Pág. 149-207, 2016. http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_novo_CPCA.pdf (consultado a 28/04/2018)
- Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de. Direito Administrativo Geral - Tomo III - Actividade Administrativa. Dom Quixote, 2009 (2ª edição), Lisboa.
Nuno Francisco
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