segunda-feira, 30 de abril de 2018

A validade e eficácia do acto administrativo

Em primeiro lugar neste tema, é importante reflectir sobre a noção de acto administrativo, para posteriormente fixar o foco principal nos conceitos de validade, eficácia, nos requisitos de cada uma e na forma como estes se devem manifestar e verificar para que o acto administrativo seja plenamente válido e eficaz, produzindo os efeitos pretendidos.
Desta forma, segundo o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, a noção e alcance do acto administrativo pode identificar-se com duas tradições históricas, que actualmente ainda têm repercussões. A primeira concepção define o acto como um “produtor de efeitos jurídicos”, correspondendo à orientação francesa, sendo também perscpetiva dominante em Portugal, Espanha e Itália. De outra forma, a segunda concepção, mais restrita, define o acto administrativo como o acto regulador, “produtor de efeitos jurídicos novos relativamente ao particular”, sendo esta concepção tendência no direito alemão.
Posto isto, cabe por fim olhar para o conceito de acto administrativo apresentado no artigo 148º do CPA, do qual se infere que os actos administrativos são decisões que visam produzir efeitos externos em determinada situação individual e concreta, no exercício de poderes jurídico-administrativos.

Tendo em conta o exposto anteriormente, é importante verificar que caminho deve então o acto administrativo seguir para produzir os “efeitos externos numa situação individual e concreta”, sendo que para isso devemos apreciar os conceitos de validade e eficácia e os requisitos que cabem a cada um destes conceitos.


A validade é a aptidão inerente do acto para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica, sendo que pode coincidir com a produção ou não-produção de quaisquer efeitos relacionados com os actos. Posto isto, no primeiro caso, o acto será válido e eficaz; no segundo será válido, mas ineficaz.
A eficácia de um acto administrativo é a efectiva produção de efeitos jurídicos pelo acto, a projeção na realidade da vida dos efeitos jurídicos que integram o conteúdo de um acto administrativo.
A lei formula alguns requisitos relativamente aos actos administrativos em geral, sendo que caso não se verifiquem todos esses mesmos requisitos de validade o acto será inválido ou, no caso de não se verificarem todos os requisitos de eficácia, o acto será ineficaz.
Posto isto, a invalidade de um acto administrativo é a inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrentes de uma ofensa à ordem pública, culminando na não produção de efeitos num determinado momento.
Tendo em conta a validade e eficácia do acto administrativo, podem verifica-se diferentes situações, todas possíveis:
1.       Válido e eficaz
2.       Inválido, mas eficaz;
3.       Inválido e ineficaz
Neste caso, há requisitos de validade e de eficácia, formulados pela lei para todos os actos administrativos, sendo que esta matéria se encontra nos artigos 148º a 154º na Parte IV do Código de Procedimento Administrativo, estas normas transmitem a exigência e dependência da validade do acto administrativo. Por outro lado, os artigos 155º a 160º CPA identificam-se com a matéria da eficácia do acto administrativo.
As exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos para que o acto administrativo possa ser válido são os requisitos da validade, que recaem sobre pontos essenciais do acto: sujeitos, forma e formalidades, conteúdo, objecto e fim.
Cabe distinguir elementos do acto e pressupostos, para que não sejam confundidos os conceitos. Nesta medida, enquanto os elementos integram o acto em si, os pressupostos relacionam-se com as situações de facto ou de direito, exteriores ao acto, cuja ocorrência depende da possibilidade jurídica de praticar um acto administrativo ou de o dotar de um certo e determinado conteúdo.
·         Requisitos quanto aos sujeitos
Neste ponto, cabe, primeiramente referir que os sujeitos no acto administrativo são o autor (ou autores) e o destinatário (ou destinatários).
O autor do acto administrativo é a entidade a quem a decisão adoptada no exercício de poderes jurídico-administrativos é imputada, seja um órgão administrativo, seja uma entidade privada no exercício das funções públicas.
É fundamental a verificação de certos requisitos de validade relativos ao autor, dos quais se destacam os seguintes:
·         Inscrição do acto no âmbito das atribuições da entidade a que pertence o órgão seu autor;
·         Competência do órgão para a prática do acto administrativo;
·         Não se verifiquem impedimentos e por isso haja uma legitimação do órgão para o exercício dessa competência;
Para permitir a imputação subjectiva dos respectivos efeitos do acto a determinada pessoa, é também importante olhar para a figura do destinatário ou destinatários, sendo que a lei exige que sejam identificados de forma adequada (artigo 115º/al. a.) CPA), pelo nome, morada ou quando estes sejam desconhecidos, deve tentar determinar-se com segurança quem é o destinatário.
·         Requisitos de validade quanto à forma e formalidades
A forma do acto administrativo consiste no modo pelo qual se exterioriza e manifesta a conduta voluntária em que o acto se traduz (palavras, gestos, tipos de documentos). Por outro lado, as formalidades consistem em vias que a lei manda observar com vista a garantir a correcta formação da declaração administrativa ou o respeito pelas posições jurídicas subjectiva dos particulares.
No que toca às formalidades está assente a ideia de que aquelas que estão rescritas por lei são essenciais. Deste modo, a não observância, por omissão ou por preterição, no todo ou em parte, gera a ilegalidade do acto administrativo. Assim, o acto será ilegal se não forem respeitadas todas as formalidades prescritas por lei, quer relativamente ao procedimento legislativo quer à prática do acto em si mesmo.
Porém, há algumas excepções que se podem apontar nestes casos, como o facto de não serem essenciais as formalidades declaradas dispensáveis pela lei, aquelas cuja omissão por preterição não tenha impedido a consecução do objectivo visado pela lei ao exigi-las, sendo que a este respeito fala-se de degradação das formalidades essenciais em formalidades não essenciais e, por fim, não são ainda essenciais as formalidades meramente burocráticas, tendentes a assegurar apenas a boa marcha dos serviços (por exemplo: mandar arquivar os documentos relativos a um dado caso complexo num único dossiê ou em vários, conforme os anos ou os aspectos parcelares do tema).
Há certas formalidades cuja preterição é considerada insuprível e outras cuja preterição se considera suprível.
Nesta medida, consideram-se insupríveis, as formalidades cuja observância tem de ter lugar no momento em que a lei exige que elas sejam observadas. É suprível, a omissão ou preterição daquelas formalidades que a lei manda cumprir num certo momento, mas que se forem cumpridas em momento posterior ainda podem garantir os objectivos para que foram estabelecidas.
De entre as formalidades essenciais, destaca-se a fundamentação, sendo que esta consiste na enunciação explicita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou dotá-lo de certo conteúdo. O dever de fundamentação dos actos administrativos encontra-se regulado nos artigos 152º a 154º do novo CPA.
A fundamentação dos actos administrativos é uma formalidade de grande importância na actualidade, quer na perspectiva do particular quer na perspectiva do tribunal competente para ajuizar da validade do acto e na óptica do interesse público, sendo que o objectivo essencial é o esclarecer, concretamente, a motivação do acto, permitindo a reconstituição do objectivo  que levou à adopção de um acto com determinado conteúdo, tal como se infere na parte final do artigo 153º/2 CPA.
Cabe ainda destacar a importância da forma do acto, sendo que as principais regras do CPA em matéria de forma de acto administrativo são o facto de os actos singulares deverem ser praticados sob forma escrita, desde que outra não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do acto (artigo 150º/1 CPA) e os actos dos órgãos colegiais são, na ausência de preceito legal em contrário, praticados oralmente (artigo 150º/2 CPA). De entre os actos que devem ser praticados sob forma escrita, distinguem-se os sujeitos a formas simples e formas solenes.
As formas simples são aquelas em que para a exteriorização da vontade do órgão administrativo a lei não exige a adopção de um escrito sujeito a um modelo especial, sendo que as formas solenes são aquelas em que o escrito tem de obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido, ou seja, aquelas em que a lei prescreve os requisitos a que o escrito há de obedecer ou a fórmula que deverá reproduzir.
·         Requisitos de validade quanto ao conteúdo e quanto ao objecto
Exige-se que tanto o conteúdo como o objecto do acto administrativo obedeça aos requisitos da certeza, da legalidade e da possibilidade. Neste caso, sob pena de se verificar um vicio, o objecto do acto tem de ser possível (possibilidade física e jurídica) e determinado (identificado ou identificável), há de ser idóneo (adequação ou abstrato, do objecto ao conteúdo) e deve estar legitimado (qualificação especifica no caso concreto) para suportar os efeitos do acto.
Além disso, os efeitos produzidos pelo acto, o conteúdo do acto, têm eles próprios de ser determinados, possíveis e ilícitos e, no caso de actos certificativos, verdadeiros, pois caso contrário a validade do acto é prejudicada pela impossibilidade, ilicitude ou inveracidade do respectivo conteúdo.
A lei exige também que a vontade em que o acto administrativo de traduz seja esclarecida e livre, pelo que, mesmo verificados outros requisitos de validade, o acto não será válido se a vontade da Administração tiver sido determinada por qualquer influência indevida, nomeadamente por erro, dolo ou coação.
Por outro lado, podem ser apostas ao acto administrativas cláusulas acessórias, como é o caso do termo, da condição, do modo ou da reserva de revogação, porém, não existe um principio de livre e ilimitada oponibilidade de cláusulas acessórias, são válidas apenas se não contrariarem a lei ou o fim a que o acto se destina, tenham relação directa com o conteúdo principal do acto e respeitem os princípios jurídicos aplicáveis, como o principio da proporcionalidade (art. 149º/1 CPA).
·         Requisitos de validade quanto ao fim
A lei exige que o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo coincida com o fim legal, isto é, com o fim que a lei teve em vista ao conferir os poderes para a prática do acto, ou seja, o fim do acto administrativo é aquele interesse público cuja realização o legislador pretende quando confere à Administração um determinado poder de agir.
Este requisito só é relevante no caso dos actos praticados no exercício de poderes discricionários.
O critério prático para a determinação do fim do acto administrativo é o do motivo principalmente determinante, exige-se, então, que o motivo principalmente determinante da prática de um acto administrativo coincida com o fim tido em vista pela lei ao conferir o poder discricionário. Caso contrário o acto será ilegal e inválido. No caso de apenas os motivos secundários ou acessórios não coincidirem com o fim legal, o acto não ficará, só por isso inválido a menos que algum destes motivos seja causa de nulidade.
Os requisitos de eficácia do acto administrativo são exigências que a lei faz para que um acto administrativo, uma vez praticado, possa produzir efeitos jurídicos. Estes não se confundem com os de validade, sendo possível que um acto seja válido e ineficaz e vice-versa.
É regra no ordenamento jurídico português de que o acto administrativo produz efeitos desde o momento da sua prática (artigo 155º/1 CPA): princípio da impeditividade dos efeitos jurídicos.
Segundo o artigo 155º/2 CPA, o acto considera-se praticado quando se encontrem reunidos, nos termos definidos por lei, os seus elementos essenciais. A regra da impeditividade dos efeitos jurídicos a lei abre duas excepções: o acto administrativo poderá produzir efeitos a partir do momento anterior ao da sua prática, designa-se como eficácia retroativa (artigo 156º CPA) e poderá produzir efeitos apenas em momento posterior à sua prática- é o que se chama eficácia diferida ou condicionada (artigo 157º CPA).
O artigo 156º CPA evidencia hipóteses em que o acto tem eficácia retroativa, sendo que no nº1 do mesmo artigo é referido que tem eficácia retroativa os actos administrativos que se limitem a interpretar os actos anteriores e aqueles que a lei atribua efeito retroativo (artigo 156º/1 al. b)).
No artigo 156º/2 CPA são enumeradas as várias situações em que o autor da administração, pode atribuir-lhe eficácia retroativa. Sendo que, primeiramente, pode suceder caso a retroatividade seja favorável aos interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que se verifiquem os pressupostos justificativos dos efeitos a produzir (al.a)). Seguidamente, a retroatividade poderá ter lugar quando estejam em causa decisões revogatórias de actos administrativos tomadas por órgãos ou agentes que os praticaram, na sequência de reclamação ou recurso hierárquico (al. b)). Em terceiro lugar, o autor do acto pode atribuir-lhe eficácia retroativa quando tal seja devido para dar cumprimento a deveres, encargos, ónus ou sujeições constituídas no passado, designadamente em execução de decisões dos tribunais ou na sequência de anulação administrativa e não envolva e imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos (al.c)). Por fim, a lei admite ainda que o autor possa atribuir eficácia retroativa quando a lei permita (al.d)).
Os casos de eficácia diferida ou condicionada estão contemplados no artigo 157º CPA. Estes casos de eficácia podem verificar-se quando o acto estiver sujeito a aprovação ou a referendo; quando os seus efeitos dependerem de trâmite procedimental ou da verificação de qualquer requisito que não respeite à validade do próprio acto, pela natureza do acto ou disposição legal. Devem ser tomadas em conta certas formalidades como a redução a ata das deliberações colegiais, a sua publicação ou notificação.
A publicação e notificação obteve consagração no artigo 268º/3 CPA, sendo que enquanto não for publicado ou notificado, o acto administrativo será ineficaz e não produzirá efeitos, não sendo obrigatório para os particulares. Neste caso, o artigo 158º/2 CPA evidencia o facto de no caso de a publicação não se verificar, quando legalmente exigida, isso implique a sua ineficácia. Além disso, há certos actos, nomeadamente aqueles que imponham encargos, ónus, sujeições, sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos, que só são oponíveis aos destinatários a partir da respectiva notificação (artigo 160º). Este regime justifica-se pelo facto de ser necessário o conhecimento dos destinatários para que lhes seja exigíveis deveres ou encargos e, na medida em que a notificação constitui um meio de protecção dos particulares, que poderão recorrer aos meios preventivos para suster a execução do acto.
Posto isto, há alguns requisitos de eficácia que não respeitam à validade do acto, como o visto do Tribunal de Contas, pois certos actos da Administração Pública que envolvam despesas estão sujeitos a visto do Tribunal de Contas, sendo que caso não dê o seu visto o acto será ineficaz.
Relativamente ao conteúdo das notificações e publicações, o regime das primeiras encontra-se nos artigos 111º a 114º CPA. Relativamente às publicações, o regime destas consta de algumas leis especiais (artigo 158º/1 CPA). O CPA formula regras subsidiárias em relação a actos cuja publicação seja imposta por lei sem que esta regule os respectivos termos: deve ser feita no Diário da República, ou na publicação oficial da entidade publica, na internet no sítio institucional da entidade em causa, no prazo de 30 dias (artigo 159º CPA).
O conteúdo obrigatório da notificação é constituído pela necessidade de reflectir certos elementos, como o autor do acto, menção do uso de delegação de poderes, e ela existir; texto integral do acto administrativo; data de decisão; indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do acto e do prazo para o efeito, se o acto estiver sujeito a impugnação administrativa necessária (artigo 114º/2 CPA e 60º CPTA).
Caso a notificação ou a publicação não contiverem todos os requisitos enumerados, o particular poderá requerer, no prazo de 30 dias, que lhe sejam notificadas as indicações em falta ou que lhe seja passada certidão que as contenha, interrompendo o prazo de impugnação contenciosa (artigo 60º/2 e 3 CPTA).
Em suma, a validade e eficácia do acto administrativo são determinantes e fundamentais para que este produza adequadamente os efeitos pretendidos e alcance e satisfaça o objectivo e fim traçado. Não obstante, devem verificar-se os vários requisitos, apesar de com algumas excepções, para que não se verifiquem vícios do acto administrativo.


Bibliografia:
AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2016

Caupers, João; Introdução ao Direito Administrativo; Âncora Editora, Lisboa, 2013

SILVA, Vasco Pereira da- Em busca do ato administrativo perdido. Lisboa, 2016


Daniela Lucas, nº 56727

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