sábado, 28 de abril de 2018


ATOS TÁCITOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO PORTUGUÊS


No que toca ao Direito Administrativo português encontramos consagrado no art. 13º/1 CPA o princípio da decisão ou o dever de decisão por parte da Administração, ou seja, segundo este princípio/dever, a Administração encontra-se na situação de estar obrigada a decidir sobre todos os assuntos que sejam apresentados aos seus órgãos e sobre petições, representações, reclamações ou queixas que tenham como fundamento legislação e interesse público. Podemos confirmar esta posição através do art. 41º/1 CPA, que enuncia que mesmo quando um órgão que recebe um pedido, mas que não seja competente na matéria em causa, deve enviar o mesmo para o órgão competente, que, por sua vez, terá de tomar uma decisão.
            Este dever jurídico da Administração pode ser delimitado positiva e negativamente: é delimitado positivamente pelo artigo 13º/1 CPA, e negativamente pelo art. 13º/2 CPA, este último é considerado uma exceção ao dever de decidir, já que enuncia que o dever de decidir é inexistente se há menos de 2 anos a Administração “(…) já tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos”.
            Já a última alínea do art. 13º CPA, ou seja, o seu nº 3 enuncia que: “Os órgãos da Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exija”. Ou seja, segundo esta norma, a Administração não fica limitada ao pedido, pois esta pode ir além do mesmo, sem que exista qualquer possibilidade dos interessados se podem opor contra tal. Daqui podemos retirar que é dada à Administração uma margem grande de discricionariedade para completar o seu dever legal de decidir, não possibilitando as situações de não decisão por parte da mesma.
            Do já enunciado podemos concluir que o princípio/dever da decisão constitui caráter de grande utilidade para os particulares, pois este obriga a Administração a decidir. Igual pensamento tem a Professora FERNANDA FRAGOSO, que refere que a obtenção da decisão por parte da Administração, na sequência de um pedido efetuado, constitui um verdadeiro direito da parte dos interessados, assim como um dever ao serviço público, cfr. arts. 266º e 268º/1 CRP.
            Agora podemos perguntar se existe um deve legal de decidir por parte da Administração qual é o prazo que esta dispões para tal? E quais as consequências de esta não decidir no prazo legal estipulado?
            O prazo normal de decisão por parte da Administração vem enunciado no art. 128º/1 CPA, e tem a duração de 90 dias. Contudo, tal prazo pode ser alargado, conforme estipula os artigos 128º/1/2 CPA, sem situações excecionais ou em caso de prorrogação ou necessidade de formalidades especiais, podendo este ser mais curto em certos procedimentos. A contagem dos prazos enunciados no art. 128º CPA tem por base o art. 87º CPA.
            Respondendo agora à segunda pergunta feita, ou seja, quais as consequências para a falta de decisão da Administração nos prazos fixados legalmente? A consequência desta inércia da Administração é a omissão legal, que vem enunciado no art. 129º CPA. Deste mesmo artigo podemos retirar as consequências/efeitos do incumprimento do dever legal:
1.      Recurso aos meios de tutela jurisdicional por parte do interessado
2.      Recurso aos meios administrativos por parte do interessado
3.      Deferimento tácito (art 130º/1 CPA).

Analisemos este último. Esta figura enquadra-se na matéria da decisão e das causas de extinção do procedimento administrativo, ou seja, nos arts. 126º e 133º CPA. O ato tácito é o resultado do silêncio da Administração Pública, da sua omissão e da não resposta a um pedido, mesmo que um ato haja sido emitido, mas não tenha existido notificação. Ou seja, este permite ao interessado exercer a sua posição jurídica sem necessidade de pronúncia da Administração.
Mas qual a natureza jurídica desta figura? Existe uma grande divergência doutrinária a cerca desta questão:
·         O Professor MARCELO REBELO DE SOUSA afirma que o ato tácito é mais do que um mero facto jurídico, mas menos que um ato administrativo, sendo uma omissão juridicamente relevante, já que corresponde à violação de um dever legalmente consagrado. Isso tem por consequência que a omissão subjacente ao ato tático seja ilegal por violação do dever legal de decisão e do respetivo direito do particular.
·         O Professor MARCELLO CAETEANO e o Professor SÉRVULO CORREIA referem que o ato tácito é igual a qualquer outro ato administrativo.
·         O Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL diz que o ato tácito é uma ficção legal de um ato administrativo, consequentemente deve aplica-se o regime do ato administrativo ao ato tácito.
·         Por fim, o Professor PAULO OTERO afirma que o ato tácito é um ato criado por lei, mas ao mesmo tempo imputado por ela à Administração, independentemente de ser de deferimento ou indeferimento.

O ato tácito vem regulado no art. 130º CPA, e atualmente abrange somente atos tácitos de conteúdo positivo, ou seja, abrange apenas o ato tácito de deferimento. Contudo, o anterior CPA enunciava a existência de dois tipos de atos tácitos: (1) ato tácito de indeferimento, onde a pretensão do particular era negada no silêncio da Administração; (2) ato tácito de indeferimento, o silêncio da Administração tinha como consequência uma resposta positiva à pretensão do particular. A primeira modalidade era a regra geral no Direito Administrativo português, onde só se admitia o deferimento tácito nos casos tipificados na lei.
            A verdade é que com a reforma do contencioso administrativo o ato tácito de deferimento desapareceu, contudo, os efeitos que se podiam obter com tal figura são agora possíveis através de alguns tipos processuais como: ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido, consagrada no art. 129º CPA, art. 168º/4 CRP e artigos 66º e ss. CPTA.
            Então atualmente o valor dado à inércia da Administração, ou melhor, ao ato tácito, é de o de um ato de deferimento? A resposta é negativa, pois conforme enuncia o art. 130º CPA só existe deferimento tácito “(…) quando alei ou regulamento determine que a ausência de notificação de decisão final (…) tem o valor de deferimento”. Fora destes casos e não havendo decisão final da Administração, esta incorre em incumprimento, sendo os particulares tutelados pelos meios já referidos anteriormente.
            Chegados a este ponto existe uma questão muito controvertida no seio da doutrina portuguesa, que origina divergência doutrinária. A questão é a seguinte: se houver deferimento tácito faz sentido o interessado recorrer aos meios de tutela administrativa ou judicial (enunciados anteriormente)?
·         No entendimento do Professor SÉRVULO CORREIA e do Professor JOÃO TIAGO SILVEIRA que referem que “(…) havendo deferimento tácito, a ato já existe: os seus efeitos típicos encontram-se desde logo constituídos na esfera do interessado. Uma ação de condenação à prática do ato administrativo com o mesmo conteúdo enfermaria de possibilidade o objeto”.
·         Já no entendimento do Professor Regente VASCO PEREIRA DA SILVA, este contesta que o deferimento tácito dê origem a um ato administrativo
·         Enquanto os Professores MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS defendem que o interessado pode acionar os meios de tutela referidos ao mesmo tempo que existe um deferimento tácito, de forma a que se lhe proporcione uma tutela plena da sua situação jurídica.

Podemos também referir quais são os pressupostos/requisitos para o acionamento da figura do ato tácito de deferimento, os quais se encontram referidos no art. 130º CPA: apresentação de um requerimento de pedido de prática de um ato administrativo que defina a posição jurídica do particular; o órgão deve ser competente para a resolução do pedido (art. 130º/1 CPA); o órgão deve ter também dever legal de decisão (art. 13º/2 CPA); que tenha decorrido o prazo legal sem uma decisão final por parte da Administração (art. 87º, 128º e 130º/2/3 CPA); e por fim, que exista legislação ou regulamentação que atribuam à inércia/silêncio da Administração o valor de ato tácito (130º/1 CPA).
Por fim, cabe distinguir a figura do ato tácito da figura da comunicação prévia, que vem prevista e regulado no art. 134º CPA. Enquanto no ato tácito o particular recebe uma habilitação administrativa, na comunicação prévia não se atua ao abrigo de um ato administrativo, sendo esta figura uma merda comunicação de que se vai agir num certo âmbito.
O Professor Regente VASCO PEREIRA DA SILVA refere que a previsão da figura do deferimento tácito constitui uma ameaça para a realização do interesse público e para a garantias dos direitos de terceiros interessados. Pois esta figura protege somente os direitos de uma das partes.

BIBLIOGRAFIA
Amaral, Diogo Freitas do Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016

Antunes, Tiago, A decisão no novo Código do Procedimento Administrativo in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 3ª edição, volume I e II, AAFDL Editora, Lisboa, 2016

Araújo, Ricardo Raposo, O princípio da decisão e a reforma do Código de Procedimento Administrativo, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004/2005

Fragoso, Fernanda, O dever legal de decidir na Administração pública, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010
João Tiago Silveira, O Deferimento Tácito (tese de mestrado);
Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado De Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III;



NUNO PIRES
nº 57311

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