ATOS
TÁCITOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO PORTUGUÊS
No
que toca ao Direito Administrativo português encontramos consagrado no art. 13º/1 CPA o princípio da decisão ou o dever de decisão por parte da
Administração, ou seja, segundo este princípio/dever, a Administração
encontra-se na situação de estar obrigada a decidir sobre todos os assuntos que
sejam apresentados aos seus órgãos e sobre petições, representações,
reclamações ou queixas que tenham como fundamento legislação e interesse
público. Podemos confirmar esta posição através do art. 41º/1 CPA, que enuncia que mesmo quando um órgão que recebe um
pedido, mas que não seja competente na matéria em causa, deve enviar o mesmo
para o órgão competente, que, por sua vez, terá de tomar uma decisão.
Este dever jurídico da Administração
pode ser delimitado positiva e negativamente: é delimitado positivamente pelo
artigo 13º/1 CPA, e negativamente pelo art. 13º/2 CPA, este último é
considerado uma exceção ao dever de decidir, já que enuncia que o dever de
decidir é inexistente se há menos de 2 anos a Administração “(…) já tenha praticado um ato
administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os
mesmos fundamentos”.
Já a última alínea do art. 13º CPA,
ou seja, o seu nº 3 enuncia que: “Os
órgãos da Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou mais
ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exija”. Ou seja,
segundo esta norma, a Administração não fica limitada ao pedido, pois esta pode
ir além do mesmo, sem que exista qualquer possibilidade dos interessados se
podem opor contra tal. Daqui podemos retirar que é dada à Administração uma
margem grande de discricionariedade para completar o seu dever legal de decidir,
não possibilitando as situações de não decisão por parte da mesma.
Do já enunciado podemos concluir que
o princípio/dever da decisão constitui caráter de grande utilidade para os
particulares, pois este obriga a Administração a decidir. Igual pensamento tem
a Professora FERNANDA FRAGOSO, que refere que a obtenção da decisão por parte
da Administração, na sequência de um pedido efetuado, constitui um verdadeiro direito
da parte dos interessados, assim como um dever ao serviço público,
cfr. arts. 266º e 268º/1 CRP.
Agora podemos perguntar se existe um
deve legal de decidir por parte da Administração qual é o prazo que esta
dispões para tal? E quais as consequências de esta não decidir no prazo legal
estipulado?
O prazo normal de decisão por parte
da Administração vem enunciado no art.
128º/1 CPA, e tem a duração de 90 dias. Contudo, tal prazo pode ser
alargado, conforme estipula os artigos
128º/1/2 CPA, sem situações excecionais ou em caso de prorrogação ou
necessidade de formalidades especiais, podendo este ser mais curto em certos
procedimentos. A contagem dos prazos enunciados no art. 128º CPA tem por base o art.
87º CPA.
Respondendo agora à segunda pergunta
feita, ou seja, quais as consequências para a falta de decisão da Administração
nos prazos fixados legalmente? A consequência desta inércia da Administração é
a omissão legal, que vem enunciado no art.
129º CPA. Deste mesmo artigo podemos retirar as consequências/efeitos do
incumprimento do dever legal:
1. Recurso
aos meios de tutela jurisdicional por parte do interessado
2. Recurso
aos meios administrativos por parte do interessado
3. Deferimento tácito (art 130º/1 CPA).
Analisemos
este último. Esta figura enquadra-se na matéria da decisão e das causas de
extinção do procedimento administrativo, ou seja, nos arts. 126º e 133º CPA. O ato
tácito é o resultado do silêncio da Administração Pública, da sua
omissão e da não resposta a um pedido, mesmo que um ato haja sido emitido, mas
não tenha existido notificação. Ou seja, este permite ao interessado exercer a
sua posição jurídica sem necessidade de pronúncia da Administração.
Mas
qual a natureza jurídica desta figura? Existe uma grande divergência
doutrinária a cerca desta questão:
·
O Professor MARCELO REBELO DE SOUSA afirma
que o ato tácito é mais do que um mero facto jurídico, mas menos que um ato
administrativo, sendo uma omissão juridicamente relevante, já que corresponde à
violação de um dever legalmente consagrado. Isso tem por consequência que a
omissão subjacente ao ato tático seja ilegal por violação do dever legal de
decisão e do respetivo direito do particular.
·
O Professor MARCELLO CAETEANO e o
Professor SÉRVULO CORREIA referem que o ato tácito é igual a qualquer outro ato
administrativo.
·
O Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL diz
que o ato tácito é uma ficção legal de um ato administrativo, consequentemente
deve aplica-se o regime do ato administrativo ao ato tácito.
·
Por fim, o Professor PAULO OTERO afirma
que o ato tácito é um ato criado por lei, mas ao mesmo tempo imputado por ela à
Administração, independentemente de ser de deferimento ou indeferimento.
O
ato tácito vem regulado no art. 130º CPA,
e atualmente abrange somente atos tácitos de conteúdo positivo, ou seja,
abrange apenas o ato tácito de
deferimento. Contudo, o anterior CPA enunciava a existência de dois tipos
de atos tácitos: (1) ato tácito de indeferimento, onde a
pretensão do particular era negada no silêncio da Administração; (2) ato
tácito de indeferimento, o silêncio da Administração tinha como
consequência uma resposta positiva à pretensão do particular. A primeira
modalidade era a regra geral no Direito Administrativo português, onde só se
admitia o deferimento tácito nos casos tipificados na lei.
A verdade é que com a reforma do
contencioso administrativo o ato tácito de deferimento desapareceu, contudo, os
efeitos que se podiam obter com tal figura são agora possíveis através de
alguns tipos processuais como: ação administrativa especial de condenação à
prática do ato devido, consagrada no art. 129º CPA, art. 168º/4 CRP e artigos
66º e ss. CPTA.
Então atualmente o valor dado à
inércia da Administração, ou melhor, ao ato tácito, é de o de um ato de deferimento? A resposta é negativa, pois conforme enuncia o art. 130º CPA só existe deferimento
tácito “(…) quando alei ou regulamento
determine que a ausência de notificação de decisão final (…) tem o valor de
deferimento”. Fora destes casos e não havendo decisão final da
Administração, esta incorre em incumprimento, sendo os particulares tutelados
pelos meios já referidos anteriormente.
Chegados a este ponto existe uma
questão muito controvertida no seio da doutrina portuguesa, que origina
divergência doutrinária. A questão é a seguinte: se houver deferimento tácito
faz sentido o interessado recorrer aos meios de tutela administrativa ou
judicial (enunciados anteriormente)?
·
No entendimento do Professor SÉRVULO
CORREIA e do Professor JOÃO TIAGO SILVEIRA que referem que “(…) havendo deferimento tácito, a ato já existe:
os seus efeitos típicos encontram-se desde logo constituídos na esfera do
interessado. Uma ação de condenação à prática do ato administrativo com o mesmo
conteúdo enfermaria de possibilidade o objeto”.
·
Já no entendimento do Professor Regente
VASCO PEREIRA DA SILVA, este contesta que o deferimento tácito dê origem a um ato
administrativo
·
Enquanto os Professores MARCELO REBELO DE
SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS defendem que o interessado pode acionar os meios
de tutela referidos ao mesmo tempo que existe um deferimento tácito, de forma a
que se lhe proporcione uma tutela plena da sua situação jurídica.
Podemos
também referir quais são os pressupostos/requisitos para o acionamento da
figura do ato tácito de deferimento, os quais se encontram referidos no art.
130º CPA: apresentação de um requerimento de pedido de prática de um ato
administrativo que defina a posição jurídica do particular; o órgão deve ser
competente para a resolução do pedido (art. 130º/1 CPA); o órgão deve ter
também dever legal de decisão (art. 13º/2 CPA); que tenha decorrido o prazo
legal sem uma decisão final por parte da Administração (art. 87º, 128º e
130º/2/3 CPA); e por fim, que exista legislação ou regulamentação que atribuam
à inércia/silêncio da Administração o valor de ato tácito (130º/1 CPA).
Por
fim, cabe distinguir a figura do ato tácito da figura da comunicação prévia, que vem prevista e regulado no art. 134º CPA. Enquanto no ato tácito o
particular recebe uma habilitação administrativa, na comunicação prévia não se
atua ao abrigo de um ato administrativo, sendo esta figura uma merda comunicação
de que se vai agir num certo âmbito.
O
Professor Regente VASCO PEREIRA DA SILVA refere que a previsão da figura do
deferimento tácito constitui uma ameaça para a realização do interesse público
e para a garantias dos direitos de terceiros interessados. Pois esta figura
protege somente os direitos de uma das partes.
BIBLIOGRAFIA
Amaral, Diogo Freitas do Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina,
Coimbra, 2016
Antunes, Tiago, A
decisão no novo Código do Procedimento Administrativo in Comentários ao novo
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Lisboa, 2016
Araújo, Ricardo Raposo, O princípio da decisão e a reforma do Código de Procedimento
Administrativo, Tese de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, 2004/2005
Fragoso, Fernanda, O
dever legal de decidir na Administração pública, Tese de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010
João Tiago Silveira, O Deferimento Tácito (tese de mestrado);
Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado De Matos, Direito Administrativo
Geral, Tomo III;
NUNO PIRES
nº 57311
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