segunda-feira, 30 de abril de 2018


Ilegalidade enquanto fonte de invalidade do ato  
administrativo

A Invalidade do ato administrativo é o valor jurídico negativo que afecta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir.

 A ilegalidade do ato administrativo considerada durante muito tempo como sendo a única fonte de invalidade, ainda hoje continua a ser a mais importante fonte de invalidade dos actos administrativos. Um ato administrativo é ilegal por ser contrario à lei, entendida num sentido amplo que inclui a constituição, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos (nas suas clausulas de carácter normativo), os actos administrativos constitutivos de direitos com força de «caso decidido» etc.

Pode assumir várias formas, estas denominam-se vícios do ato administrativo, que são as formas especificas que a ilegalidade do ato administrativo pode revestir. Estabelecer uma tipologia legal dos vícios do ato administrativo é importante pela necessidade prática, pela conveniência de facilitar o recurso dos particulares aos tribunais administrativos. As ilegalidades de um ato administrativo podem ser fundamentalmente de natureza orgânica, de natureza formal ou de natureza material.
  
usurpação de poder corresponde à ideia de ilegalidade orgânica, é o vício que traduz-se na pratica por um órgão administrativo de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial, e portanto excluído das atribuições do poder executivo. Constitui um vício que representa uma violação do principio da separação de poderes – art.2º e 111º da CRP. Na realidade não é mais do que uma incompetência agravada, a sua autonomia deve-se a uma causa histórica, uma vez que surgiu na sequência da revolução de 1789 em que se consagrou o principio da separação de poderes, por esse motivo Marcello Caetano definia o vício de usurpação de poder como a prática pela administração de um ato incluído nas atribuições do poder judicial, não fazendo qualquer referência à invasão do poder legislativo. Do ponto de vista do prof. Freitas do Amaral a usurpação de poder comporta três modalidades: 
  1.  1) a usurpação do poder legislativo: o órgão administrativo pratica um ato que pertence ás atribuições do poder legislativo – ex: criação de um imposto por ato administrativo; 
  2.  2) a usurpação do poder moderador: o órgão administrativo pratica um ato que pertence ás atribuições do poder moderador (presidencial) – ex: despacho do primeiro ministro a demitir um funcionário da presidência da república, ou a preencher uma vaga no conselho de estado;
  3.  3) usurpação do poder judicial: o órgão administrativo pratica um ato que pertence ás atribuições do poder judicial – ex: deliberação de uma câmara municipal que declare a nulidade de um contrato não administrativo.


A incompetência equivale à ideia de ilegalidade orgânica, é um vício que consiste na prática, por um órgão administrativo de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo. Distingue -se do vicio anterior pois para que haja usurpação do poder é preciso que o poder executivo invada a esfera de outro poder do estado enquanto que para que haja incompetência é preciso que o órgão administrativo que praticou o ato invada a esfera própria de outra autoridade administrativa mas sem sair do âmbito do poder administrativo. Pode revestir várias modalidades:
1)   critério que distingue a incompetência absoluta, que se verifica quando um órgão administrativo pratica um ato fora das atribuições da pessoa colectiva ou do ministério a que pertence, contrariamente à competência relativa que se verifica quando um órgão administrativo pratica um ato que esta fora da sua competência mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva;

2)   critério que distingue quatro modalidades de incompetência: 
         a) a incompetência em razão da matéria (quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo em função da natureza dos assuntos, por vezes a lei distribui a competência em razão do tipo de questões a tratar, se essa distribuição não é respeitada temos uma incompetência em razão da matéria);
        b) incompetência em razão da hierarquia (quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico, nomeadamente quando o subalterno invade a competência do superior, ou quando o superior invade a competência própria do subalterno); 
       c) incompetência em razão do lugar (quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território, por ex se o director de estradas do distrito de Aveiro tomar decisões da competência do director de estradas do distrito de Coimbra); 
        d)  e finalmente incompetência em razão do tempo (quando um órgão administrativo exerce os seus poderes legais praticando um ato administrativo antes ou depois do momento ou período de tempo em que se encontra legalmente habilitado para o fazer).

 O vício de forma corresponde à ideia de ilegalidade formal, vício que consiste na preterição de formalidades essenciais (vicio procedimental) ou na carência de forma legal (vicio de forma em sentido restrito). compreende três modalidades: 

    1. preterição de formalidades anteriores à pratica do ato (ex: falta de audiência prévia dos interessados num procedimento administrativo quando não tenha sido nem esteja dispensada);
    2.  preterição de formalidades relativas à prática do ato (ex: regras sobre votação em órgãos colegiais);
    3.  carência de forma legal (ex: prática por despacho, de actos em relação aos quais a lei exija a forma de portaria ou de decreto). É conveniente sublinhar que a eventual preterição de formalidades posteriores à pratica do ato administrativo não produz ilegalidade (nem invalidade) do ato administrativo, apenas pode produzir a sua ineficácia, porque a validade de um ato administrativo se afere sempre pela conformidade desse ato com o ordenamento jurídico no momento em que ele é praticado. Aquilo que se passa depois da pratica do ato não o invalida.
violação da lei corresponde à ideia de ilegalidade materialvício que consiste na
discrepância entre conteúdo ou o objecto do ato e as normas jurídicas que lhes são
aplicáveis. Configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso é a própria
substancia do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a
lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas
formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista mas no próprio
conteúdo ou no objecto do ato. Produz-se normalmente quando no exercício de
poderes vinculados, a administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou
nada decida quando a lei mande decidir algo. Mas também pode ocorrer um vicio de
violação da lei no exercício de poderes discricionário quando sejam infringidos os
princípios gerais que limitam ou condicionam de forma genérica, a discricionariedade
administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o principio da
imparcialidade, da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da boa-fé etc. todos
estes princípios são regras que de um modo genérico, condicionam ou limitam o
poder discricionário. Abrange várias modalidades: 
    1.  a falta de base legal, pratica de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a pratica de um ato desse tipo;
    2.  o erro de direito cometido pela administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas; 
    3.  a incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo; 
    4.  a incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objecto do ato administrativo; 
    5.  a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objecto do ato administrativo; 
    6.  a ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela administração no conteúdo do ato, designadamente condição, termo ou modo, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios; 
    7.  qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insusceptível de ser reconduzida a outro vicio, o vicio de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.
 O desvio de poder corresponde de igual forma à ideia de legalidade material, vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder. Pressupõe portanto uma discrepância entre o fim legal e o fim real (o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo). Para determinar a existência de um vicio de desvio de poder tem de se proceder a três operações: 
1) apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário (fim legal);
 2) averiguar qual o motivo principalmente determinante da pratica do ato administrativo em causa (fim real); 
3) determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido: se houver coincidência, o ato será ilegal por desvio de poder e portanto invalido.
 Para existir desvio de poder não interessa saber se o órgão administrativo se desviou do fim legal porque interpretou mal a lei, isto é por erro de direito, ou porque, intencionalmente quis mesmo prosseguir um fim contrario à lei, isto é por má fé. Em ambos os casos há desvio de poder. 
O desvio de poder comporta duas modalidades principais: 
    • o desvio de poder para fins de interesse publico (quando o órgão administrativo visa alcançar um fim de interesse publico embora diverso daquele que a lei impõe); 
    • desvio de poder para fins de interesse privado quando o órgão administrativo não prossegue um fim de interesse publico mas um fim de interesse privado, por razoes de parentesco, de amizade ou de inimizade com o particular, por motivos de corrupção ou quaisquer outros de natureza privada. Em qualquer dos casos o ato esta ferido de desvio de poder e é ilegal e invalido.


Analisados os cinco tipos de vícios cumpre dizer que um ato administrativo pode ser ilegal porque nele se verifica um vício apenas e basta que se verifique um vicio, uma ilegalidade para que o ato seja ilegal, mas também pode ser ilegal porque nele concorrem dois ou mais vícios. Um ato administrativo pode estar ferido simultaneamente de varias ilegalidades: os vícios são cumuláveis.

Prof. Feitas do Amaral entende que há outras fontes de invalidade do ato administrativo alem da ilegalidade, o primeiro caso que aponta é a ilicitude do ato administrativo (casos em que o ato viole um contrato não administrativo, casos em que o ato sem violar a lei ofenda um direito subjectivo ou um interesse legitimo de um particular, casos em que ofenda a ordem publica ou os bons costumes ou quando contenha uma forma de usura que também é motivo da ilicitude dos negócios jurídicos privados) e a segunda causa da invalidade do ato administrativo seria o vícios da vontade no mesmo, designadamente o erro, o dolo e a coação.

Quanto à correspondência entre vícios e formas de invalidade, não há uma correspondência automática de cada vicio a uma certa forma de invalidade: excepto quanto à usurpação de poder que gera sempre nulidade, qualquer dos outros vícios pode gerar, conforme os casos anulabilidade ou nulidade, tudo depende do que a lei determinar a esse respeito – 161º/2 e 163º/1 CPA.  Os actos anuláveis, ao contrario dos actos nulos são sanáveis, isto é podem transformar-se em actos com a força de caso decidido.

O fenómeno da sanação consiste na transformação jurídica de um ato ilegal num ato inatacável contenciosamente, o fundamento jurídico da sanação dos actos ilegais é a necessidade de certeza e segurança na ordem jurídica, caso contrario a vida jurídica tornar-se-ia impossível e a própria actividade económica e social ficaria paralisada, acumulando prejuízos. Isto deve-se ao grande intervencionismo da administração publica na vida económica e social dos países, a sanação pode operar-se por ato administrativo secundário – 164º CPA ( ratificação, reforma e conversão dos actos administrativos), ou pelo decurso do tempo (o órgão administrativo pratica um ato administrativo ilegal cuja invalidade assume a forma de anulabilidade, há um prazo marcado na lei para se poder impugnar contenciosa ou administrativamente esse ato e há igualmente prazos para a administração por sua própria iniciativa, anular esse ato – 163º/3 e 4, e se tal não suceder dentro dos prazos legais o ato fica sanado e tudo se passa a partir dai como se o ato nunca tivesse sido ilegal.

Em suma quando o vício é encontrado, resta qualificá-lo num desvalor e finalmente obter o regime sancionatório. Se for um vício material a censura e o regime sancionatório serão mais severos, pois há uma desconformidade do conteúdo normativo do regulamento com o conteúdo normativo da lei, diferentemente do vicio não material que concretiza uma desconformidade da norma com uma actuação. O Vício material viola os princípios da legalidade e da competência. O vício terá como contrapartida uma censura jurídica, um desvalor: invalidade (anulabilidade ou nulidade) ou inexistência, sendo este ultimo entendido pelo prof. Marcelo Rebelo Sousa (em oposição ao  prof. Freitas do Amaral) como uma operação de mero desvalor jurídico, um mero reconhecimento de que um ato não é direito.

Bibliografia:
AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2016

Teresa Pereira, nº56989




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