Comecemos com uma breve nota constitucional introdutória: As
autarquias locais são um elemento de organização do Estado democrático e de
descentralização administrativa.
Nos termos do artigo
6.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) «o Estado é unitário e respeita na sua
organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da
subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização
democrática da administração pública.» Tal é a importância do princípio da
autonomia das autarquias locais, o qual se se impõe, nos termos do artigo
288.º, al. n) da CRP, como limite ao poder de revisão constitucional. O princípio da subsidiariedade, também
consagrado no artigo 6.º, n.º1 da CRP, encontra a sua dimensão prática no n.º 2
do artigo 235.º, que estipula que «as autarquias locais são pessoas coletivas
territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de
interesses próprios das populações.» De destacar, ainda, o princípio da descentralização administrativa, previsto no artigo
237.º, cujo n.º 1 determina que «as atribuições e a organização das
autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por
lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa.».
A autonomia das autarquias locais e o princípio da
descentralização administrativa não excluem a tutela administrativa a que as
autarquias locais estão sujeitas, cujo exercício é regulado por lei e a qual
consiste numa tutela de legalidade,
pois compreende estritamente a «verificação
do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos» (artigo 242.º, n.º 1 da
CRP). As freguesias e os municípios são as categorias de autarquias locais
comuns ao continente e às regiões autónomas dos Açores e Madeira, permitindo a
Constituição que o legislador ordinário crie, nas grandes áreas urbanas e nas
ilhas, «outras formas de organização territorial autárquica» (artigo 236.º). As
atribuições e a organização das autarquias locais e a competência dos seus
órgãos são definidas por lei (artigo 237.º, n.º1), sendo que a Constituição
determina que essa organização «compreende uma assembleia eleita dotada de
poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável»
(artigo 239.º). Nos termos do artigo 244.º, os órgãos representativos das
freguesias são a assembleia de freguesia, que consiste no seu órgão
deliberativo, e a junta de freguesia, que consiste no seu órgão executivo. Nos termos
do artigo 250.º os órgãos representativos do município são a assembleia
municipal, que constitui o seu órgão deliberativo, e a câmara municipal, que
constitui o seu órgão executivo. Tanto as freguesias (artigo 248.º) como os
municípios (artigo 253.º) se podem associar para administração ode interesses
comuns, podendo a lei conferir atribuições e competências a essas associações. As
autarquias locais têm património e finanças próprias cujo regime é também
definido por lei (artigo 238.º).
Os princípios organizativos e funcionais da Administração
têm como finalidade melhorar a prossecução do interesse público e a proteção
das posições subjetivas dos particulares, pelo que tais princípios estão
indissoluvelmente ligados aos princípios da atividade administrativa. Tais
princípios são os seguintes:
- Princípio da desburocratização (art.267º nº1 CRP e art.10º CPA);
- Princípio da aproximação da administração às populações (art.267º nº1 CRP e
art.10º CPA);
- Princípio da descentralização (art.267º nº2 CRP);
- Princípio da desconcentração (art.267º nº2 CRP);
- Princípio da unidade da Ação administrativa (art.6º CRP);
- Princípio da participação dos particulares na gestão da administração pública
(art.7º CPA e art.268 nº1 a 3 CRP).
Relativamente à descentralização (prevista
no art.267º nº2 CRP), à qual se contrapõe a ideia de concentração, trata-se de uma
figura que reporta à organização de várias pessoas colectivas públicas ao mesmo
tempo, face ao Estado.
No plano jurídico, estaremos perante
um sistema descentralizado quando a função administrativa não esteja confiada
unicamente ao Estado, mas também a outras pessoas colectivas territoriais (como
será o caso das autarquias locais e municípios). Por outro lado, falar-se-á de
um sistema concentrado quando todas as atribuições administrativas de um dado
país forem conferidas por lei ao Estado, de forma a que não haja quaisquer
outras pessoas colectivas públicas incumbidas desse mesmo exercício.
Já no plano político-administrativo, o conceito
de descentralização está relacionado com o poder de auto-administração. Assim,
se os órgãos das autarquias locais forem livremente eleitos pelas respetivas
populações, se a lei os considerar independentes face às suas atribuições e
competências e se estiverem sujeitos a formas atenuadas de tutela
administrativa, estaremos perante uma descentralização. De outro modo, dir-se-á
que estamos perante uma centralização quando os órgãos das autarquias locais
sejam livremente nomeados e demitidos pelo Governo, ou caso se encontrem
sujeitos a formas particularmente intensas de tutela administrativa, sendo
consideravelmente restrita a sua margem de liberdade.
Relativamente à descentralização, esta pode assumir as
seguintes configurações:
- Territorial (traduzida na existência de pessoas colectivas
de base territorial – como será o caso das regiões autónomas) ou não
territorial (que se traduz no cometimento a pessoas colectivas de
direito privado de tarefas materialmente administrativas – pessoas colectivas
de interesse público);
- Institucional (expressa na existência de pessoas colectivas
de substrato patrimonial (como será o caso dos institutos públicos) ou associativa (traduzindo-se
na existência de pessoas colectivas de substrato associativo (sendo caso disso
as associações e as universidades públicas);
- Descentralização de 1º grau (quando resulta directa e
imediatamente da Constituição ou da lei) ou de 2º grau (quando
resulte de um acto de administração habilitado por lei).
Em todas as modalidades de descentralização, o ente
descentralizado pode ser de fins gerais (como as autarquias locais) ou de fim
específico (como os institutos públicos).
A descentralização encontra-se submetida a certos limites
sendo um deles a tutela administrativa, «conjunto dos poderes de intervenção de
uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de
assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação». Assim, a tutela
administrativa distingue-se quanto ao fim e quanto ao conteúdo. Quanto ao fim,
a tutela administrativa desdobra-se em tutela de legalidade e tutela de mérito:
será tutela de legalidade quando se vise controlar a legalidade das decisões da
entidade tutelada; será tutela de mérito quando se vise controlar o mérito das
decisões administrativas da entidade tutelada. É importante distinguir estes
tipos de tutela porque depois do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, e da
revisão constitucional de 1982, a tutela do Governo sobre as autarquias locais
em Portugal deixou de ser uma tutela de legalidade e de mérito e passou a ser
apenas tutela de legalidade (CRP, art.º. 242.º n.º 1). Quanto ao conteúdo,
o professor Freitas do Amaral aponta 5 modalidades de tutela: integrativa (consistindo no
poder de autorizar ou aprovar os atos da entidade tutelada, que pode ser uma
tutela a priori - poder de autorizar a prática dos actos da entidade tutelada;
ou uma tutela a posteriori - poder de aprovar os actos da entidade
tutelada); inspectiva (poder de fiscalização dos órgãos,
serviços, documentos e contas da entidade tutelada); sancionatória (poder
de aplicar sanções por irregularidades que tenham sido detetadas na entidade
tutelada); revogatória(poder de revogar os actos administrativos
praticados pela entidade tutelada) e substitutiva (poder da
entidade tutelar suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em vez
dela e por conta dela, os actos que forem legalmente devidos - caso que o
professor Freitas do Amaral considera violar o art.243º nº1 CRP, assim como o
princípio da autonomia do poder local).
A descentralização apresenta vantagens e desvantagens. As
suas vantagens baseiam-se na celeridade da administração; maior
democraticidade; facilitação da participação dos interessados na gestão da
administração; e a limitação do poder público através da sua repartição por uma
multiplicidade de pessoas coletivas. Por outro lado, fazendo referência às suas
desvantagens, é-lhe apontado o facto de aumentar a dificuldade de controlo, bem
como os riscos de os titulares dos órgãos nem sempre estarem devidamente
preparados para as funções e responsabilidades de gestão administrativa que
lhes são destinados (coisa que poderá acontecer em caso de eleição).
Quanto à desconcentração, contrapõe-se-lhe a
figura da concentração e tais conceitos têm na sua base a organização vertical
dos serviços públicos, consistindo na existência ou ausência de distribuição
vertical de competência entre os diversos graus e escalões da hierarquia.
Assim, a desconcentração será «um sistema em que o poder decisório se reparte
entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais permanecem, em
regra, sujeitos à direção e supervisão daquele». Este princípio encontra hoje
cabimento no art.267º nº 2 CRP.
Existem 3 critérios de descentralização. Quanto ao:
- Nível central ou nível local (conforme se inscreva no âmbito
dos serviços da Administração central ou no âmbito dos serviços da
Administração local;
- Grau de desconcentração (podendo ser absoluto ou relativo – conforme a intensidade desta);
- Formas de desconcentração (originária ou derivada, conforme resulte imediatamente da lei, repartindo a competência entre o superior e os subalternos, ou, carecendo de permissão legal, só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito pelo superior).
- Grau de desconcentração (podendo ser absoluto ou relativo – conforme a intensidade desta);
- Formas de desconcentração (originária ou derivada, conforme resulte imediatamente da lei, repartindo a competência entre o superior e os subalternos, ou, carecendo de permissão legal, só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito pelo superior).
A desconcentração derivada traduz-se na delegação de
poderes, que se encontra prevista no art.44º nº1 CPA, sendo um «ato pelo
qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em
determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente
pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria» - para tal é sempre
necessário que haja uma lei de habilitação(lei que prevê
expressamente a faculdade de delegar poderes).
Tal como a descentralização, também a desconcentração tem as
suas vantagens e desvantagens. Quanto às vantagens, são de mencionar: a maior
eficiência, celeridade e qualidade na satisfação das necessidades coletivas.
Por outro lado, as desvantagens decorrem dos riscos de multiplicação de centros
decisórios, por vezes sem adequada preparação ou com indesejáveis sobreposições
de competência - em ambos os aspetos há semelhanças com a descentralização.
Concluindo, atualmente tanto a desconcentração como a
descentralização encontram consagração constitucional (ambas no art.267º nº2),
pelo que se pode afirmar que em ambos os casos, ponderados aspetos positivos e
negativos destas figuras, será fácil de se entender que os aspetos positivos
têm uma maior relevância, uma vez que satisfazem melhor as necessidades da
administração e acabam também por ser uma mais valia para os cidadãos. No
entanto, tal conclusão não invalida que ambas as figuras estejam sujeitas a
determinados limites: diz-nos o mencionado artigo, na sua parte final, que
estas devem ser entendidas «sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação
da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos
competentes», ou seja, não poderão ser invocados estes princípios contra
diplomas legais cujo fim seja garantir a eficácia e unidade da ação
administrativa; ou organizar/disciplinar os poderes de direção,
superintendência e tutela (tanto do Governo, como de outros órgãos).
Bibliografia:
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Tomo
I, 3ª edição, Dom Quixote, pág.143-151
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol.
1, 4ª edição, editora Almedina, pág.689-740 e pág.751-755
http://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/descentralizacao.pdf
Tiago | 28551
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