A fundamentação de um ato administrativo
consiste na enumeração explícita das razões que levaram o seu autor a praticar
esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo. É a demonstração do caminho traçado
pela Administração para chegar a determinada decisão, expondo os seus motivos
para tomar certa decisão e não outra.
Durante bastante tempo, não havia uma
obrigatoriedade de justificar os atos administrativos no nosso ordenamento
jurídico, a menos que uma lei avulsa o exigisse. Apenas após o 25 de Abril de
1974 se pode dizer que a nossa lei compactuou com a ideia de obrigatoriedade de
fundamentar a decisão de um ato administrativo.
O dever de fundamentação dos atos administrativos
encontra-se regulado nos artigos 152 a 154.º do CPA. Salientando-se sempre,
ainda que a outro nível, o art. 268º/3 CRP.
O dever de fundamentar preenche uma série
de finalidades, sendo entre elas, uma das mais importantes, a possibilidade de
verificar a legalidade do ato. Também motiva a Administração a ponderar as suas
razões mais morosamente, o que permite maior prudência. Para o particular, o
dever de fundamentar implica uma melhor compreensão da decisão e uma mais fácil
decisão quanto à intenção de apresentar recurso contencioso. Além do mais, a
fundamentação revela os limites dentro dos quais o Tribunal pode ou não
apreciar a legalidade. A fundamentação faculta ao particular um conhecimento do
juízo lógico de ponderação.
Os cidadãos têm direito à fundamentação
expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses
legalmente protegidos (art. 268º/3/segunda
parte). A fundamentação é a motivação, entendida como a indicação das
razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também a
justificação, ou a exposição dos pressupostos de facto e de direito que
conduziram à decisão tomada.
Além de proteção subjetiva dos
administrados, a norma do dever de fundamentação é também uma norma de ação
administrativa, que visa assegurar uma correta e ponderada realização dos
interesses públicos.
O âmbito de proteção do direito de
fundamentação e do dever de fundamentação abrange em abstrato três modalidades
básicas: (1) indicação dos fundamentos no próprio ato; (2) informação dos
fundamentos a pedido do interessado; (3) comunicação posterior à prática do
ato, num prazo razoável, dos respetivos fundamentos. O sentido
jurídico-constitucional aponta no sentido da integração no próprio ato, e não
num ato a posteriori.
O dever de
fundamentação deve ser encarado como um dever jurídico fundamental, na
medida em que deve ser compreendido como a representação de uma situação
jurídica passiva, constitucionalmente e infraconstitucional consagrada, à qual
podem ser vinculados determinados desideratos almejados pela ordem jurídica.
Será tido como um dever fundamental, pois o que com ele se irá desejar
preservar e promover será a dignidade da pessoa humana.
Casos em que existe o dever de
fundamentar:
estão
previstos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 152.º do CPA. Em geral, pode
dizer-se que o elenco dos atos aí referidos e que devam ser fundamentados é
dominado pela matriz dos atos de gravame,
isto é, atos lesivos de interesses de terceiros.
Sintetizando:
® Na
alínea a), vêm referidos os atos primários desfavoráveis;
® Na
alínea b) as decisões das reclamações e dos recursos administrativos (recurso
hierárquico, recurso hierárquico impróprio, e recurso tutelar);
® Na
alínea c), os atos de indeferimento, bem como os que discordem de parecer ou de
informação ou proposta dos serviços;
® Na
alínea d), os atos contrários à prática habitual;
® Na
alínea e), referem-se os atos secundários, que têm de ser sempre fundamentados,
independentemente de serem ou não desfavoráveis – até porque, se forem
favoráveis para alguns destinatários, poderão ser desfavoráveis para outros.
Razão de ser do dever de fundamentar: A fundamentação
dos atos administrativos é uma formalidade de grande importância no moderno
Estado de Direito democrático, não apenas para o particular lesado pela atuação
administrativa, mas também a perspetiva do tribunal competente para ajuizar da
validade do ato e, ainda, na ótica do próprio interesse público.
É nessa perspetiva que Rui Machete aponta quatro funções ao dever de fundamentação
dos atos administrativos:
(1) Defesa do particular –
que só consegue estruturar cabalmente uma impugnação administrativa ou
contenciosa do ato se conhecer todos os motivos que levaram a Administração a
decidir em certo sentido;
(2) Controlo da Administração –
uma vez que, por um lado, o dever de fundamentação implica a necessidade de
ponderação de todos os fatores que devam influenciar a decisão e, por outro, a
explanação dos motivos da prática de um ato facilita o respetivo controlo pelos
órgãos dotados de poderes de supervisão, bem como a eventual impugnação
contenciosa do ato;
(3) Pacificação das relações entre a
Administração e os particulares – posto que estes últimos
tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes
razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente;
(4) Clarificação e prova dos factos sobre
os quais assenta a decisão – o que se prende com o cumprimento
de exigências de transparência da atuação administrativa, bem como do controlo
jurisdicional dos atos administrativos.
O objetivo essencial e imediato da
fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato,
permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato
com determinado conteúdo. 153.º/2, parte final CPA.
Dispensa de fundamentação:
nos termos do n.º 2 do artigo 152.º do CPA e “salvo disposição em contrário”,
não carecem de ser fundamentados:
a)
Os atos de homologação de deliberações
tomados por júris;
b)
As ordens dadas pelos superiores
hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
No caso da alínea a), a justificação da
dispensa de fundamentação reside na natureza específica do ato de homologação,
que incorpora e absorve o ato homologado: já que este tem de ser fundamentado,
a homologação apropria-se dessa fundamentação e torna-se, assim,
automaticamente fundamentada.
No caso da alínea b), a razão é diferente:
a fundamentação aqui, a existir, não seria dirigida a terceiros, mas apenas ou
sobretudo ao subalterno; ora a autoridade hierárquica do superior deve poder
ser exercida sem necessidade de, “por tudo e por nada”, dar explicações ao
subalterno.
Requisitos da fundamentação: a fundamentação
tem de preencher os seguintes requisitos, de acordo com o disposto no artigo
153.º do CPA:
a)
Em primeiro lugar, tem de ser expressa, ou
seja, enunciada de modo explícito o contexto do próprio ato pela entidade
decisória;
b)
Em segundo lugar, a fundamentação tem de
consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de
direito da decisão. Não basta pois, mencionar os factos relevantes ou anunciar
uma “política pública” justificativa da decisão: há que referir também o quadro jurídico que
habilita a Administração a decidir, ou a decidir de certo modo. Trata-se de um
corolário do princípio da legalidade como fundamento da ação administrativa.
Quanto à indicação das razões de direito em que se funda o ato, vem-se
entendendo, nomeadamente na jurisprudência, e bem, não ser necessária a
indicação (numerada ou específica) das normas tidas por aplicáveis, mas apenas
da disciplina jurídica com base na qual se decidiu.
c)
Em terceiro lugar, a fundamentação tem de
ser clara, coerente e completa. Será, pois, ilegal a fundamentação que for
obscura – não permitindo apurar o sentido das razões apresentadas -,
contraditória – não se harmonizando os fundamentos logicamente entre si ou não
se conformando aqueles com a decisão final -, ou insuficiente – não explicando
por completo a decisão tomadas. Contudo, o STA tem entendido – e bem – que para
a fundamentação ser completa basta que seja suficiente, não tem de ser
quilométrica, pois isso seria um “dever impraticável”.
Casos especiais:
a lei prevê três casos para os quais estabelece um regime jurídico especial:
a)
O primeiro é o de o ato administrativo
consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior
parecer, informação ou proposta: se assim for, o dever de fundamentar
considera-se cumprido com a mera declaração de concordância, não sendo
necessário enunciar expressamente outra vez os fundamentos da decisão tomada.
Com efeito, em tal tipo de situações, o parecer, a informação ou a proposta: se
assim for, o dever de fundamentar considera-se cumprido com a mera declaração
de concordância, não sendo necessário enunciar expressamente outra vez os
fundamentos da decisão tomada. Com efeito, em tal tipo de situações, o parecer,
a informação ou a proposta “constituirão parte integrante” da decisão, pelo que
os fundamentos daqueles serão os fundamentos desta (CPA, art. 153.º/1).
Recorda-se novamente que, havendo homologação, não é sequer necessário fazer
expressamente qualquer declaração de concordância: a homologação absorve
automaticamente os fundamentos e conclusões do ato homologado;
b)
O segundo caso especial é o dos atos
orais: em regra, os atos praticados sob forma oral (como, por exemplo, uma
ordem policial, e, em geral, as deliberações dos órgãos colegais) não contém
fundamentação. Então, de duas uma: ou esses atos são reduzidos a escrito numa
ata – e desta deverá constar a respetiva fundamentação, sob pena de ilegalidade
(CPA, artigo 150.º/2) – ou, não havendo ata, a lei dá os interessados o direito
de requerer a redução a escrito da fundamentação dos atos orais, cabendo ao
órgão competente o dever de satisfazer o pedido no prazo de 10 dias (CPA,
artigo 154.º/1). O não exercício, pelos interessados, da faculdade de requerer
a fundamentação escrita de um ato oral não prejudica os efeitos da eventual falta
de fundamentação do ato (CPA, art. 154.º/2);
c)
O terceiro caso é o das deliberações
sujeitas ao dever de fundamentação tomadas por escrutínio secreto: a
fundamentação é feita pelo presidente do órgão colegial após a votação, tendo
presente a discussão que a tiver precedido (CPA, art. 31.º/3).
Consequências da falta de
fundamentação – se faltar a fundamentação num ato que
deva ser fundamentado, ou se a fundamentação existir, mas não corresponder aos
requisitos exigidos pela lei, o ato administrativo será ilegal por vício de
forma e, como tal, será anulável (CPA, art. 163.º/1).
Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Vol. II,
3ª edição, 2016, Almedina, Coimbra.
Otero, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo,
2016, Almedina, Coimbra.
Alexandrino, José de
Melo, Direito Fundamentais: introdução geral.
2007, Estoril: Princípia.
Gomes Canotilho, J.J.,
Moreira, Vital, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 4ª edição, 2010, Coimbra Editora.
Kaufmann Pires, Tatiana, O Direito à fundamentação dos atos
administrativos, Tese de mestrado.
Benatti Galvão, Ciro di, O dever de fundamentação e/ou motivação dos
atos administrativos restritivos como forma de manifestação da dignidade da
pessoa humana, Tese de mestrado.
Beatriz Pestana Canada,
subturma 10, Turma B, 2ºano
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