segunda-feira, 30 de abril de 2018

Uma formalidade essencial: a obrigação de fundamentar o ato


A fundamentação de um ato administrativo consiste na enumeração explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo. É a demonstração do caminho traçado pela Administração para chegar a determinada decisão, expondo os seus motivos para tomar certa decisão e não outra.
Durante bastante tempo, não havia uma obrigatoriedade de justificar os atos administrativos no nosso ordenamento jurídico, a menos que uma lei avulsa o exigisse. Apenas após o 25 de Abril de 1974 se pode dizer que a nossa lei compactuou com a ideia de obrigatoriedade de fundamentar a decisão de um ato administrativo.
O dever de fundamentação dos atos administrativos encontra-se regulado nos artigos 152 a 154.º do CPA. Salientando-se sempre, ainda que a outro nível, o art. 268º/3 CRP.
O dever de fundamentar preenche uma série de finalidades, sendo entre elas, uma das mais importantes, a possibilidade de verificar a legalidade do ato. Também motiva a Administração a ponderar as suas razões mais morosamente, o que permite maior prudência. Para o particular, o dever de fundamentar implica uma melhor compreensão da decisão e uma mais fácil decisão quanto à intenção de apresentar recurso contencioso. Além do mais, a fundamentação revela os limites dentro dos quais o Tribunal pode ou não apreciar a legalidade. A fundamentação faculta ao particular um conhecimento do juízo lógico de ponderação.
Os cidadãos têm direito à fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268º/3/segunda parte). A fundamentação é a motivação, entendida como a indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também a justificação, ou a exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.
Além de proteção subjetiva dos administrados, a norma do dever de fundamentação é também uma norma de ação administrativa, que visa assegurar uma correta e ponderada realização dos interesses públicos.
O âmbito de proteção do direito de fundamentação e do dever de fundamentação abrange em abstrato três modalidades básicas: (1) indicação dos fundamentos no próprio ato; (2) informação dos fundamentos a pedido do interessado; (3) comunicação posterior à prática do ato, num prazo razoável, dos respetivos fundamentos. O sentido jurídico-constitucional aponta no sentido da integração no próprio ato, e não num ato a posteriori.
O dever de  fundamentação deve ser encarado como um dever jurídico fundamental, na medida em que deve ser compreendido como a representação de uma situação jurídica passiva, constitucionalmente e infraconstitucional consagrada, à qual podem ser vinculados determinados desideratos almejados pela ordem jurídica. Será tido como um dever fundamental, pois o que com ele se irá desejar preservar e promover será a dignidade da pessoa humana.
Casos em que existe o dever de fundamentar: estão previstos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 152.º do CPA. Em geral, pode dizer-se que o elenco dos atos aí referidos e que devam ser fundamentados é dominado pela matriz dos atos de gravame, isto é, atos lesivos de interesses de terceiros.
Sintetizando:
®    Na alínea a), vêm referidos os atos primários desfavoráveis;
®    Na alínea b) as decisões das reclamações e dos recursos administrativos (recurso hierárquico, recurso hierárquico impróprio, e recurso tutelar);
®    Na alínea c), os atos de indeferimento, bem como os que discordem de parecer ou de informação ou proposta dos serviços;
®    Na alínea d), os atos contrários à prática habitual;
®    Na alínea e), referem-se os atos secundários, que têm de ser sempre fundamentados, independentemente de serem ou não desfavoráveis – até porque, se forem favoráveis para alguns destinatários, poderão ser desfavoráveis para outros.
Razão de ser do dever de fundamentar: A fundamentação dos atos administrativos é uma formalidade de grande importância no moderno Estado de Direito democrático, não apenas para o particular lesado pela atuação administrativa, mas também a perspetiva do tribunal competente para ajuizar da validade do ato e, ainda, na ótica do próprio interesse público.
É nessa perspetiva que Rui Machete aponta quatro funções ao dever de fundamentação dos atos administrativos:
(1)     Defesa do particular – que só consegue estruturar cabalmente uma impugnação administrativa ou contenciosa do ato se conhecer todos os motivos que levaram a Administração a decidir em certo sentido;
(2)     Controlo da Administração – uma vez que, por um lado, o dever de fundamentação implica a necessidade de ponderação de todos os fatores que devam influenciar a decisão e, por outro, a explanação dos motivos da prática de um ato facilita o respetivo controlo pelos órgãos dotados de poderes de supervisão, bem como a eventual impugnação contenciosa do ato;
(3)     Pacificação das relações entre a Administração e os particulares – posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente;
(4)     Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão – o que se prende com o cumprimento de exigências de transparência da atuação administrativa, bem como do controlo jurisdicional dos atos administrativos.
O objetivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo. 153.º/2, parte final CPA.
Dispensa de fundamentação: nos termos do n.º 2 do artigo 152.º do CPA e “salvo disposição em contrário”, não carecem de ser fundamentados:
a)        Os atos de homologação de deliberações tomados por júris;
b)        As ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
No caso da alínea a), a justificação da dispensa de fundamentação reside na natureza específica do ato de homologação, que incorpora e absorve o ato homologado: já que este tem de ser fundamentado, a homologação apropria-se dessa fundamentação e torna-se, assim, automaticamente fundamentada.
No caso da alínea b), a razão é diferente: a fundamentação aqui, a existir, não seria dirigida a terceiros, mas apenas ou sobretudo ao subalterno; ora a autoridade hierárquica do superior deve poder ser exercida sem necessidade de, “por tudo e por nada”, dar explicações ao subalterno.
Requisitos da fundamentação: a fundamentação tem de preencher os seguintes requisitos, de acordo com o disposto no artigo 153.º do CPA:
a)        Em primeiro lugar, tem de ser expressa, ou seja, enunciada de modo explícito o contexto do próprio ato pela entidade decisória;
b)        Em segundo lugar, a fundamentação tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Não basta pois, mencionar os factos relevantes ou anunciar uma “política pública” justificativa da decisão:  há que referir também o quadro jurídico que habilita a Administração a decidir, ou a decidir de certo modo. Trata-se de um corolário do princípio da legalidade como fundamento da ação administrativa. Quanto à indicação das razões de direito em que se funda o ato, vem-se entendendo, nomeadamente na jurisprudência, e bem, não ser necessária a indicação (numerada ou específica) das normas tidas por aplicáveis, mas apenas da disciplina jurídica com base na qual se decidiu.
c)        Em terceiro lugar, a fundamentação tem de ser clara, coerente e completa. Será, pois, ilegal a fundamentação que for obscura – não permitindo apurar o sentido das razões apresentadas -, contraditória – não se harmonizando os fundamentos logicamente entre si ou não se conformando aqueles com a decisão final -, ou insuficiente – não explicando por completo a decisão tomadas. Contudo, o STA tem entendido – e bem – que para a fundamentação ser completa basta que seja suficiente, não tem de ser quilométrica, pois isso seria um “dever impraticável”.
Casos especiais: a lei prevê três casos para os quais estabelece um regime jurídico especial:
a)        O primeiro é o de o ato administrativo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta: se assim for, o dever de fundamentar considera-se cumprido com a mera declaração de concordância, não sendo necessário enunciar expressamente outra vez os fundamentos da decisão tomada. Com efeito, em tal tipo de situações, o parecer, a informação ou a proposta: se assim for, o dever de fundamentar considera-se cumprido com a mera declaração de concordância, não sendo necessário enunciar expressamente outra vez os fundamentos da decisão tomada. Com efeito, em tal tipo de situações, o parecer, a informação ou a proposta “constituirão parte integrante” da decisão, pelo que os fundamentos daqueles serão os fundamentos desta (CPA, art. 153.º/1). Recorda-se novamente que, havendo homologação, não é sequer necessário fazer expressamente qualquer declaração de concordância: a homologação absorve automaticamente os fundamentos e conclusões do ato homologado;
b)        O segundo caso especial é o dos atos orais: em regra, os atos praticados sob forma oral (como, por exemplo, uma ordem policial, e, em geral, as deliberações dos órgãos colegais) não contém fundamentação. Então, de duas uma: ou esses atos são reduzidos a escrito numa ata – e desta deverá constar a respetiva fundamentação, sob pena de ilegalidade (CPA, artigo 150.º/2) – ou, não havendo ata, a lei dá os interessados o direito de requerer a redução a escrito da fundamentação dos atos orais, cabendo ao órgão competente o dever de satisfazer o pedido no prazo de 10 dias (CPA, artigo 154.º/1). O não exercício, pelos interessados, da faculdade de requerer a fundamentação escrita de um ato oral não prejudica os efeitos da eventual falta de fundamentação do ato (CPA, art. 154.º/2);
c)        O terceiro caso é o das deliberações sujeitas ao dever de fundamentação tomadas por escrutínio secreto: a fundamentação é feita pelo presidente do órgão colegial após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido (CPA, art. 31.º/3).
Consequências da falta de fundamentação – se faltar a fundamentação num ato que deva ser fundamentado, ou se a fundamentação existir, mas não corresponder aos requisitos exigidos pela lei, o ato administrativo será ilegal por vício de forma e, como tal, será anulável (CPA, art. 163.º/1).

Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3ª edição, 2016, Almedina, Coimbra.
Otero, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, 2016, Almedina, Coimbra.
Alexandrino, José de Melo, Direito Fundamentais: introdução geral. 2007, Estoril: Princípia.
Gomes Canotilho, J.J., Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, 2010, Coimbra Editora.
Kaufmann Pires, Tatiana, O Direito à fundamentação dos atos administrativos, Tese de mestrado.
Benatti Galvão, Ciro di, O dever de fundamentação e/ou motivação dos atos administrativos restritivos como forma de manifestação da dignidade da pessoa humana, Tese de mestrado.

Beatriz Pestana Canada, subturma 10, Turma B, 2ºano

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