quinta-feira, 17 de maio de 2018


A (In)existência da Inexistência do ato.

Como forma de dar início a esta exposição, considero de extrema relevância o esclarecimento de certos termos, sendo estes o ato jurídico, ato administrativo e ato lato sensu.
No que toca ao ato jurídico, segundo Manuel de Andrade e Inocêncio Galvão Telles, este identifica-se como uma conduta voluntária produtora de efeitos juridicamente relevantes.
A definição de ato administrativo, para o Freitas do Amaral, o ato administrativo será ‘’o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta’’. Todavia, para este autor, o ato administrativo revela-se como um ato jurídico, o que significa que ficam de fora do conceito de atos administrativos os factos jurídicos involuntários, operações materiais, as atividades e atos juridicamente irrelevantes, uma vez que não são atos voluntários, sendo só factos. Assim sendo, nenhuma destas categorias está submetida ao regime procedimental e substantivo da figura do ato administrativo presente no CPA.
Por sua vez, o ato lato sensu, será uma ação- feita ou por fazer- considerada na sua essência ou resultado.
Cabe agora referir as consequências da ilegalidade, ilicitude, ou defeitos da vontade. A doutrina e a lei distinguem dois tipos fundamentais de invalidade dos atos administrativos: a nulidade e anulabilidade (por mim explicitados na exposição anterior), tendo cada uma um regime específico.
A anulabilidade é o desvalor jurídico regra no direito português, ainda que por discordância de Vasco Pereira da Silva. De facto, na falta de preceito em sentido contrário, a invalidade da atuação administrativa reconduz-se à anulabilidade. Esta é uma sanção menos grave, em comparação com a nulidade, e carateriza-se pelo seu caráter geral- artigo 163.º/1 CPA. Segundo Rebelo de Sousa e Salgado de Matos, os atos anuláveis funcionam segundo um critério de identificação por exclusão de partes ‘’ (…) para cuja violação se não preveja outra sanção’’- artigo 163.º/1 CPA.
A nulidade é considerada a forma mais grave de invalidade do ato administrativo e tem um caráter excecional. Antes da vigência do CPA, o princípio tradicional que vigorava era o de que a nulidade só existia nos casos expressamente previstos na lei, o que significava que ou existia lei a prever a nulidade ou no silêncio da lei o ato era meramente anulável. ‘’Um ato nulo é um ato que não tem aptidão jurídica para a produção de efeitos, e, portanto, ele não permite que haja efeitos jurídicos que tenham disso instaurados na sua base’’- artigo 162.º/1 CPA.
Coloca-se então a questão de saber que a inexistência é considerada ou não uma invalidade do ato administrativo. Durante muito tempo, parte da doutrina e jurisprudência defendia que nulidade e inexistência seriam sinónimos. Para Freitas do Amaral, tal não é correto, pois defende que existe sentido entre a distinção de nulidade e inexistência jurídica.
A questão que se coloca é: pode um ato administrativo ser inexistente?
Um ato lato sensu, se não reúne as características necessárias para sequer tornar identificável ‘’o tipo legal que se insere’’ como é defendido por Freitas do Amaral, na sua definição de ato inexistente, não se pode caracterizar de forma igual a um ato administrativo. Este argumento é um dos pontos a referir aquando da questão da inexistência, uma vez que para as questões de maior gravidade haverá a possibilidade de aplicação da nulidade, sendo desnecessário a aplicação deste, intitulado, desvalor.
A Inexistência pressupõe um caráter ajurídico, pelo que o direito não lhe reconhece o mínimo valor. Os desvalores existem para caracterizar os efeitos jurídicos, ou a falta destes, que um ato jurídico terá. Todavia, o ato inexistente não chega sequer a produzir efeitos, pelo que não chega a ser um ato jurídico, o que nos leva a concluir que nunca se enquadraria enquanto desvalor ou tipo de invalidade.
Dando um exemplo ad absurdo, se 1 aluno anunciasse, perante a Faculdade, que o livro que escrevera era a Constituição da República Portuguesa, este ato seria inexistente para os defensores desta- não sendo de modo algum um ato jurídico nem administrativo, sendo apenas um ato como definimos supra. Então, qual será a necessidade de o Direito Administrativo e dos Tribunais que o aplicam, de relevar esta situação? Penso que tem um caráter desnecessário.

Assim sendo, no seguimento do Professor Vasco Pereira da Silva, entendo que não há qualquer necessidade em considerar a inexistência um desvalor para os atos administrativos.
Em tom de conclusão, considero que a inexistência não acrescenta nada que o regime da nulidade ou da anulabilidade não consigam colmatar: se um ato verificar efeitos jurídicos, mas de tal modo viciados, aplicar-se-á o regime da nulidade- artigo 161.º e seguintes do CPA; se o ato sofrer outro vício não tão grave, será aplicado o regime da anulabilidade.

Bibliografia
AMARAL, Freitas do; Curso de Direito Administrativo, V.II, 3ªedição, Almedina, 2016.
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de; Direito Administrativo Geral: Atividade Administrativa, T.III, 1ªedição, Publicações, D.Quixote, 2007.
SILVA, Vasco Pereira da; Em busca do Ato administrativo perdido, Lisboa, Almedina.

Maria Beatriz Tacão, nº57137


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