A (In)existência da Inexistência
do ato.
Como forma de dar início a esta
exposição, considero de extrema relevância o esclarecimento de certos termos,
sendo estes o ato jurídico, ato administrativo e ato lato sensu.
No que toca ao ato jurídico,
segundo Manuel de Andrade e Inocêncio Galvão Telles, este identifica-se como uma
conduta voluntária produtora de efeitos juridicamente relevantes.
A definição de ato administrativo,
para o Freitas do Amaral, o ato administrativo será ‘’o ato jurídico unilateral
praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração
ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei e que
traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir
efeitos jurídicos numa situação individual e concreta’’. Todavia, para este
autor, o ato administrativo revela-se como um ato jurídico, o que significa que
ficam de fora do conceito de atos administrativos os factos jurídicos involuntários,
operações materiais, as atividades e atos juridicamente irrelevantes, uma vez que
não são atos voluntários, sendo só factos. Assim sendo, nenhuma destas
categorias está submetida ao regime procedimental e substantivo da figura do ato
administrativo presente no CPA.
Por sua vez, o ato lato sensu, será uma ação- feita ou por
fazer- considerada na sua essência ou resultado.
Cabe agora referir as consequências
da ilegalidade, ilicitude, ou defeitos da vontade. A doutrina e a lei
distinguem dois tipos fundamentais de invalidade dos atos administrativos: a
nulidade e anulabilidade (por mim explicitados na exposição anterior), tendo
cada uma um regime específico.
A anulabilidade é o desvalor jurídico
regra no direito português, ainda que por discordância de Vasco Pereira da
Silva. De facto, na falta de preceito em sentido contrário, a invalidade da
atuação administrativa reconduz-se à anulabilidade. Esta é uma sanção menos
grave, em comparação com a nulidade, e carateriza-se pelo seu caráter geral-
artigo 163.º/1 CPA. Segundo Rebelo de Sousa e Salgado de Matos, os atos anuláveis
funcionam segundo um critério de identificação por exclusão de partes ‘’ (…)
para cuja violação se não preveja outra sanção’’- artigo 163.º/1 CPA.
A nulidade é considerada a forma
mais grave de invalidade do ato administrativo e tem um caráter excecional. Antes
da vigência do CPA, o princípio tradicional que vigorava era o de que a
nulidade só existia nos casos expressamente previstos na lei, o que significava
que ou existia lei a prever a nulidade ou no silêncio da lei o ato era
meramente anulável. ‘’Um ato nulo é um ato que não tem aptidão jurídica para a
produção de efeitos, e, portanto, ele não permite que haja efeitos jurídicos
que tenham disso instaurados na sua base’’- artigo 162.º/1 CPA.
Coloca-se então a questão de saber
que a inexistência é considerada ou não uma invalidade do ato administrativo. Durante
muito tempo, parte da doutrina e jurisprudência defendia que nulidade e
inexistência seriam sinónimos. Para Freitas do Amaral, tal não é correto, pois
defende que existe sentido entre a distinção de nulidade e inexistência jurídica.
A questão que se coloca é: pode um
ato administrativo ser inexistente?
Um ato lato sensu, se não reúne as características
necessárias para sequer tornar identificável ‘’o tipo legal que se insere’’
como é defendido por Freitas do Amaral, na sua definição de ato inexistente,
não se pode caracterizar de forma igual a um ato administrativo. Este argumento
é um dos pontos a referir aquando da questão da inexistência, uma vez que para
as questões de maior gravidade haverá a possibilidade de aplicação da nulidade,
sendo desnecessário a aplicação deste, intitulado, desvalor.
A Inexistência pressupõe um caráter
ajurídico, pelo que o direito não lhe reconhece o mínimo valor. Os desvalores
existem para caracterizar os efeitos jurídicos, ou a falta destes, que um ato
jurídico terá. Todavia, o ato inexistente não chega sequer a produzir efeitos,
pelo que não chega a ser um ato jurídico, o que nos leva a concluir que nunca
se enquadraria enquanto desvalor ou tipo de invalidade.
Dando um exemplo ad absurdo, se 1
aluno anunciasse, perante a Faculdade, que o livro que escrevera era a Constituição
da República Portuguesa, este ato seria inexistente para os defensores desta-
não sendo de modo algum um ato jurídico nem administrativo, sendo apenas um ato
como definimos supra. Então, qual será a necessidade de o Direito Administrativo
e dos Tribunais que o aplicam, de relevar esta situação? Penso que tem um
caráter desnecessário.
Assim sendo, no seguimento do Professor
Vasco Pereira da Silva, entendo que não há qualquer necessidade em considerar a
inexistência um desvalor para os atos administrativos.
Em tom de conclusão, considero que
a inexistência não acrescenta nada que o regime da nulidade ou da anulabilidade
não consigam colmatar: se um ato verificar efeitos jurídicos, mas de tal modo
viciados, aplicar-se-á o regime da nulidade- artigo 161.º e seguintes do CPA;
se o ato sofrer outro vício não tão grave, será aplicado o regime da
anulabilidade.
Bibliografia
AMARAL, Freitas do; Curso de Direito Administrativo, V.II,
3ªedição, Almedina, 2016.
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André
Salgado de; Direito Administrativo Geral:
Atividade Administrativa, T.III, 1ªedição, Publicações, D.Quixote, 2007.
SILVA, Vasco Pereira da; Em busca do Ato administrativo perdido, Lisboa,
Almedina.
Maria Beatriz Tacão, nº57137
Sem comentários:
Enviar um comentário