sexta-feira, 25 de maio de 2018


A sequela doutrinária em torno da taxatividade do artigo 161º/2 do CPA, respeitante aos vícios para os quais a lei prevê a nulidade


Os vícios que recaem sobre os atos administrativos, isto é, as desconformidades entre norma e atuação jurídicas, conduzem a desvalores. O desvalor é a censura sobre a aptidão do ato para produzir os seus efeitos.
O Código de Procedimento Administrativo (de agora adiante CPA) consagra expressamente duas categorias de desvalores: a nulidade e a anulabilidade. A primeira questão que se coloca é a de saber se nos basta uma realidade dicotómica (nulidade/anulabilidade) ou se é preciso criar novas categorias.
Alguns autores consideram que para além destes dois tipos de invalidade existem, ainda, a irregularidade e a inexistência do ato. Entre esses autores não se encontra o Professor Vasco Pereira da Silva, que adota a lógica binária de invalidades (nulidade e anulabilidade) por considerar que estas sozinhas resolvem todos os problemas do ordenamento português.
Importa, desde logo, explicar sucintamente as características de regime que permitem diferenciar estas duas figuras.
A nulidade é o desvalor mais grave de invalidade do ato administrativo. O ato nulo não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade (artigo 162º/1 do CPA). É oposto do que sucede perante os atos anuláveis, que produzem efeitos até à sua anulação com eficácia retroativa (artigo 163º/2 do CPA). Por este motivo, a anulabilidade é considerada um desvalor menos grave, em comparação com a nulidade.
A doutrina, designadamente, os Professores Marcello Caetano, Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Aroso de Almeida, têm vindo a considerar que a anulabilidade é o regime-regra de invalidade Direito Administrativo, na medida em que o artigo 163º/1 do CPA dispõe: “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”. A nulidade seria assim uma exceção a esta regra pois só é aplicável quando “a lei comine expressamente essa forma de invalidade” (artigo 161º/1 do CPA).
Este entendimento parte do pressuposto segundo o qual o artigo 161º/2 do CPA procede a uma enumeração exaustiva dos vícios aos quais é aplicável o desvalor da nulidade.
Sobre esta matéria existe, porém, uma sequela doutrinária.
O artigo 133º do antigo CPA continha o seguinte teor: “são nulos os atos para os quais a lei culmine expressamente essa forma de ilegalidade”, mas acrescentava “são nulos todos os casos que correspondam à falta dos elementos essenciais do ato”.
Na opinião do Professor Mário Aroso de Almeida, ao retirar esta cláusula aberta, o CPA 2015 (artigo 161º/2) optou por fechar o elenco das causas de nulidade e impediu a invocação de causa de “nulidade por natureza”.
Para o Professor, “esta regra é justificável por razões de segurança jurídica, associadas à exigência de alguma previsibilidade quanto à estabilidade das definições jurídicas introduzidas no exercício de poderes jurídico-administrativos”. Na opinião do Professor essas razões exigem “clareza e previsibilidade na determinação dos casos em que excecionalmente os atos ilegais são considerados nulos”.
O Professor Mário Aroso de Almeida entende que a previsão segundo a qual, no anterior CPA, o legislador considerava os atos nulos quando lhes faltasse qualquer dos elementos essenciais, se afigurava infeliz, na medida em que tornava problemático o preenchimento do conceito de “elementos essenciais”.
Por último, o Professor invoca o argumento segundo o qual a jurisprudência administrativa, apesar da previsão do anterior artigo 133º/1, sempre se pautou pela adoção de uma postura muito restritiva no que respeita ao reconhecimento de causas de nulidade que não sejam objeto de previsão legal expressa.
O Professor Vasco Pereira da Silva vem, todavia, defender que a ideia segundo a qual “a regra é a anulabilidade, tratando-se a nulidade de uma exceção” esta incorreta. Isto porque o Professor entende que o elenco de vícios plasmado no artigo 161º/2 do CPA é meramente ilustrativo, e não taxativo.
A favor da posição por si perfilhada, o Professor apresenta vários argumentos.
Em primeiro lugar temos o argumento literal: o artigo 161º/2 refere “designadamente”, dando a entender que, para além dos vícios aí plasmados, existem outros que pela gravidade da lesão se devam também ser considerados nulos.
Em segundo lugar, o Professor alega que a enumeração do artigo 161º/2 é exemplificativa porque o legislador quis somente dar a conhecer o critério segundo o qual decide pela nulidade do ato. E o critério por si utilizado é o da gravidade da lesão.
E isto é fácil de perceber. De entre os vários vícios do ato (usurpação de poderes; incompetência; violação de lei e desvio de poder), apenas um deles produz sempre a nulidade: a usurpação de poderes (artigo 161º/2, alínea a). Todos os restantes serão nulos ou anuláveis em função da gravidade da lesão.
Assim, de entre o vício de incompetência, somente a incompetência absoluta deverá ser sancionada com nulidade (artigo 161º/2, alínea b), a incompetência relativa terá como desvalor a anulabilidade (artigo 163º/1). De entre o vício de violação de lei, somente a violação de direitos fundamentais deve ser sancionada com nulidade (artigo 161º/2, alínea d). E, por fim, só o desvio de poder para fins de interesse privado sofre o desvalor de nulidade; o desvio de poder para fins de interesse público será apenas anulável (artigo 163º/1).
O critério é sempre o da gravidade da lesão, correspondendo a nulidade ao desvalor atribuído às ilegalidades mais graves e a anulabilidade o desvalor atribuído às ilegalidades menos graves.
De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, não faz sentido dizer que há uma regra. É preciso analisar, caso a caso, a gravidade da lesão para saber o desvalor aplicável. Isto naturalmente, nos casos em que a lei não definir expressamente que o ato é nulo.
É ainda de referir que o Professor considera que a reforma do CPA em nada alterou a possibilidade de invocar as situações de “nulidade por natureza”.
A nulidade por natureza, assim apelidada por Freitas do Amaral, consistiria nos vícios equiparáveis àqueles para as quais o legislador consagrou a nulidade. Tratar-se-iam de vícios cuja previsibilidade pelo legislador não é necessária pois já decorreria do critério de gravidade que seriam desconsiderados com a nulidade.
Ora, se, através da utilização do conceito “designadamente”, o legislador mantém uma cláusula aberta no artigo 161º/2, é sempre possível considerar “por natureza” nulos determinados atos.
Aquando da alteração do CPA, alguns autores, nomeadamente, o Professor Fausto Quadros, questionaram-se pela necessidade de introduzir um conceito de inexistência jurídica. Isto porque o antigo CPA determinava que eram nulos os atos que tivessem em falta “elementos essenciais”, logo impedia a existência de um desvalor de inexistência.
 Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, estando a nulidade prevista como uma cláusula aberta, não há necessidade de recorrer a um conceito de inexistência.


Bibliografia:

AROSO ALMEIDA, Mário, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2016;

PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996;

Ana Catarina Fonseca Louro, aluna nº 57110, subturma 10B

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