O Código de Procedimento Administrativo consagra um conjunto
de garantias administrativas que atribuem aos particulares mecanismos de
impugnação de atos administrativos junto da própria Administração Pública: são
as chamadas garantias graciosas. O objeto deste post concentrar-se-á neste tópico, não obstante a possibilidade de
os particulares também lançarem mão de outros meio de tutela que resultam do
contencioso administrativo, junto dos tribunais administrativos (tutela
jurisdicional essa que é desde logo consagrada no art. 268.º, n.º 4, da CRP). Desta
distinção entre garantias administrativas graciosas e garantias contenciosas,
releva sobretudo uma caraterística que as diferencia substancialmente: perante
os tribunais administrativos, os particulares apenas poderão fazer valer os
seus direitos, designadamente, visando a impugnação de atos administrativos,
com fundamento em ilegalidade, como resulta do art. 3.º, n.º 1, do CPTA (que
decorre do princípio constitucional da separação de poderes). Os vícios de
mérito são apenas suscetíveis de avaliação pela própria Administração Pública.
2. As garantias graciosas impugnatórias
Procedendo agora a uma análise concentrada nas garantias
graciosas, cumpre desde logo referir que esta se subdivide em duas categorias
distintas: as garantias petitórias e
as garantias impugnatórias.
As primeiras orientam-se sobretudo para a produção de um
administrativo primário: o particular formula um pedido, apresenta uma queixa
ou uma representação, no sentido de procurar uma primeira disciplina jurídica
para uma determinada matéria, solicitando à Administração Pública que tome
certa decisão quando esta ainda não agiu. Não há, portanto, qualquer intenção
subjacente de impugnar uma determinada decisão anteriormente tomada.
Já as garantias impugnatórias têm como pressuposto a
existência de um ato administrativo prévio sobre o qual recai o exercício das
garantias administrativas pelo particular. Podem ser agrupadas em dois grandes
tipos, de acordo com o que é referido no artigo 184.º, n.º 2, do CPA: a reclamação e os recursos administrativos.
Como explicam as alíneas a)
e b) do nº 1 do art. 184.º do CPA, os
interessados têm o direito de impugnar os atos administrativos perante a
Administração Pública, solicitando a sua revogação, anulação, modificação ou
substituição; bem como reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos,
em cumprimento do dever de decisão solicitando a emissão do ato pretendido.
A distinção determinante entre estes dois tipos de garantias
diz respeito sobretudo à diferença dos seus destinatários.
A reclamação é a forma de impugnação do ato administrativo
perante o seu próprio autor, enquanto que o recurso é uma forma de impugnação
perante um órgão diferente daquele que praticou o ato. A distinção está
portanto no posicionamento do órgão que vai apreciar a impugnação.
Relativamente à legitimidade procedimental ativa, diz-nos a
norma do art. 186.º, n.º 1, do CPA, que as entidades que podem interpor
reclamação ou recurso são: os titulares
de direitos subjetivos ou interesses
legalmente protegidos que se considerem lesados pela prática ou emissão do
ato administrativo; e as pessoas e entidades mencionadas nos n.ºs 2 a 4 do art.
68.º.
2.1 A reclamação
No que diz respeito à reclamação, o princípio geral consta do
disposto no art. 191.º, n.º 1, do CPA, que refere poder reclamar-se de qualquer
ato administrativo ou de qualquer omissão de ato, para o seu autor, desde que a
lei o não impeça. Neste sentido, como refere o n.º 2 desse artigo, serão em
princípio insuscetíveis de impugnação por reclamação os atos administrativos
que decidem anteriores reclamações ou recursos administrativos.
A reclamação deve ser, regra geral e na ausência de outro
qualquer prazo legalmente estipulado, apresentada no prazo de 15 dias, de
acordo com o consagrado no art. 191.º, n.º 3 do CPA. Relativamente aos
contrainteressados, estes devem, nos termos do art. 192.º do CPA, ser
notificados, pelo órgão com competência para decidir, da reclamação para que
possam vir ao procedimento alegar o que entenderam sobre o pedido e a causa de
pedir, num prazo de 15 dias. A figura dos contrainteressados refere-se a todos
os que têm interesse na manutenção dos efeitos ato administrativo e que,
portanto, terão de ser ouvidos antes da tomada da decisão final sobre a
reclamação interposta. O órgão dispõe de um prazo de 30 dias para emitir
decisão final, atento o disposto no n.º 2 do artigo em análise.
2.2 Os recursos administrativos
Os recursos administrativos podem ser de dois tipos: temos,
por um lado, o recurso hierárquico e,
por outro, os designados recursos administrativos especiais.
O recurso hierárquico pode ser utilizado quando existe
hierarquia administrativa entre o autor do ato e o órgão a quem é dirigida a
impugnação (art. 193.º, n.º 1, do CPA). De acordo com o que resulta das duas
alíneas deste artigo, este permite impugnar atos administrativos praticados por
órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos (alínea a)), bem como reagir contra a omissão
legal de atos administrativos, também por parte de órgãos subalternos (alínea b)).
Podemos concluir do próprio regime do recurso hierárquico que
a hierarquia administrativa assume também uma vertente garantística dos
direitos dos administrados e não tem apenas uma função organizatória.
Portanto, a legalidade e a oportunidade e conveniência das
decisões dos órgãos infraordenados são suscetíveis de controlo ou de
fiscalização pelos superiores hierárquicos. Se assim não fosse, estaríamos
perante uma equiparação do subalterno a um órgão quase independente, perante o
qual o superior não poderia controlar a atividade daquele e, consequentemente,
não poderia ser responsabilizado pela sua execução.
O requerimento impugnatório deve ser formulado por escrito
(art. 102.º e 184.º, n.º 3, do CPA) e, no caso do recurso hierárquico, dirigido
ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato administrativo ou da
omissão (art. 194.º, n.º 1, do CPA). Portanto, trata-se verdadeiramente de um
recurso per saltum, pois recorre-se
diretamente para a estrutura hierárquica no topo da cadeia, para se obter mais
rapidamente uma decisão definitiva, salvo se a competência se encontrar
delegada ou subdelegada.
Relativamente aos poderes do órgão para o qual se recorre,
este detém diversos poderes no âmbito do procedimento do recurso hierárquico.
Efetivamente, o superior hierárquico pode confirmar ou anular o ato administrativo
e, se a competência do subalterno autor do ato não for exclusiva, revogar,
modificar ou substituir o ato impugnado (salvo, evidentemente, nos casos em que
a lei preveja o contrário), ainda que em sentido desfavorável ao recorrente.
Os recursos administrativos especiais, nos termos do previsto
no art. 199.º do CPA, devem estar expressamente previstos na lei (o que revela
a sua natureza excecional, distinguindo-os do recurso hierárquico) e podem ser
exercidos nas seguintes situações jurídico-administrativas:
i)
Caso
entre dois órgãos não exista hierarquia administrativa, embora integrem a mesma
pessoa coletiva, e o órgão ad quem
disponha de poderes de supervisão que lhe permitem revogar, alterar ou anular
os atos administrativos praticados pelo outro órgão (alínea a), n.º 1, do art. 199.º). Portanto,
poder-se-á recorrer para a estrutura orgânica que exerce esse poder de supervisão,
impugnando-se, por esta via, o ato administrativo;
ii)
Para
o órgão colegial, de atos ou omissões dos seus membros, comissões ou secções (alínea
b));
iii) Se existir uma relação de tutela ou
de superintendência revogatórias ou anulatórias entre órgãos de pessoas
coletivas diferentes (alínea c)).
iv) Recurso delegatório, sempre que
existe delegação ou subdelegação de poderes (que resulta da conjugação dos art.
199.º, n.º 2, art. 49.º, n.º 2, e art. 169.º, n.º 4 do CPA).
Concluindo a análise destes recursos administrativos
especiais, dizer que deve verificar-se, caso a caso, o enquadramento legal da
supervisão e a sua amplitude, dadas as diferenças de autonomia dos diferentes
órgãos e das diferentes pessoas coletivas públicas presentes na relação
jurídico-administrativa, pois implicam o confronto entre dois órgãos da mesma ou
de duas pessoas coletivas distintas, respetivamente.
Bibliografia
- AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Vol. II. Almedina, 2016 (3.ª
edição). Coimbra.
- ALMEIDA, Mário Aroso de. Teoria Geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do
Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (4.ª edição). Coimbra.
- CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. Âncora Editora, 2013
(12.ª edição), Lisboa.
- FONTES, José. Curso Sobre o Novo Código de Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (6.ª edição), Coimbra.
Bruno Silva
Aluno n.º 57244
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