quinta-feira, 24 de maio de 2018

As garantias administrativas impugnatórias

1. Generalidades
O Código de Procedimento Administrativo consagra um conjunto de garantias administrativas que atribuem aos particulares mecanismos de impugnação de atos administrativos junto da própria Administração Pública: são as chamadas garantias graciosas. O objeto deste post concentrar-se-á neste tópico, não obstante a possibilidade de os particulares também lançarem mão de outros meio de tutela que resultam do contencioso administrativo, junto dos tribunais administrativos (tutela jurisdicional essa que é desde logo consagrada no art. 268.º, n.º 4, da CRP). Desta distinção entre garantias administrativas graciosas e garantias contenciosas, releva sobretudo uma caraterística que as diferencia substancialmente: perante os tribunais administrativos, os particulares apenas poderão fazer valer os seus direitos, designadamente, visando a impugnação de atos administrativos, com fundamento em ilegalidade, como resulta do art. 3.º, n.º 1, do CPTA (que decorre do princípio constitucional da separação de poderes). Os vícios de mérito são apenas suscetíveis de avaliação pela própria Administração Pública.

2. As garantias graciosas impugnatórias
Procedendo agora a uma análise concentrada nas garantias graciosas, cumpre desde logo referir que esta se subdivide em duas categorias distintas: as garantias petitórias e as garantias impugnatórias.
As primeiras orientam-se sobretudo para a produção de um administrativo primário: o particular formula um pedido, apresenta uma queixa ou uma representação, no sentido de procurar uma primeira disciplina jurídica para uma determinada matéria, solicitando à Administração Pública que tome certa decisão quando esta ainda não agiu. Não há, portanto, qualquer intenção subjacente de impugnar uma determinada decisão anteriormente tomada.

Já as garantias impugnatórias têm como pressuposto a existência de um ato administrativo prévio sobre o qual recai o exercício das garantias administrativas pelo particular. Podem ser agrupadas em dois grandes tipos, de acordo com o que é referido no artigo 184.º, n.º 2, do CPA: a reclamação e os recursos administrativos.
Como explicam as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 184.º do CPA, os interessados têm o direito de impugnar os atos administrativos perante a Administração Pública, solicitando a sua revogação, anulação, modificação ou substituição; bem como reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos, em cumprimento do dever de decisão solicitando a emissão do ato pretendido.
A distinção determinante entre estes dois tipos de garantias diz respeito sobretudo à diferença dos seus destinatários.
A reclamação é a forma de impugnação do ato administrativo perante o seu próprio autor, enquanto que o recurso é uma forma de impugnação perante um órgão diferente daquele que praticou o ato. A distinção está portanto no posicionamento do órgão que vai apreciar a impugnação.
Relativamente à legitimidade procedimental ativa, diz-nos a norma do art. 186.º, n.º 1, do CPA, que as entidades que podem interpor reclamação ou recurso são: os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pela prática ou emissão do ato administrativo; e as pessoas e entidades mencionadas nos n.ºs 2 a 4 do art. 68.º.

2.1 A reclamação
No que diz respeito à reclamação, o princípio geral consta do disposto no art. 191.º, n.º 1, do CPA, que refere poder reclamar-se de qualquer ato administrativo ou de qualquer omissão de ato, para o seu autor, desde que a lei o não impeça. Neste sentido, como refere o n.º 2 desse artigo, serão em princípio insuscetíveis de impugnação por reclamação os atos administrativos que decidem anteriores reclamações ou recursos administrativos.
A reclamação deve ser, regra geral e na ausência de outro qualquer prazo legalmente estipulado, apresentada no prazo de 15 dias, de acordo com o consagrado no art. 191.º, n.º 3 do CPA. Relativamente aos contrainteressados, estes devem, nos termos do art. 192.º do CPA, ser notificados, pelo órgão com competência para decidir, da reclamação para que possam vir ao procedimento alegar o que entenderam sobre o pedido e a causa de pedir, num prazo de 15 dias. A figura dos contrainteressados refere-se a todos os que têm interesse na manutenção dos efeitos ato administrativo e que, portanto, terão de ser ouvidos antes da tomada da decisão final sobre a reclamação interposta. O órgão dispõe de um prazo de 30 dias para emitir decisão final, atento o disposto no n.º 2 do artigo em análise.

2.2 Os recursos administrativos
Os recursos administrativos podem ser de dois tipos: temos, por um lado, o recurso hierárquico e, por outro, os designados recursos administrativos especiais.

O recurso hierárquico pode ser utilizado quando existe hierarquia administrativa entre o autor do ato e o órgão a quem é dirigida a impugnação (art. 193.º, n.º 1, do CPA). De acordo com o que resulta das duas alíneas deste artigo, este permite impugnar atos administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos (alínea a)), bem como reagir contra a omissão legal de atos administrativos, também por parte de órgãos subalternos (alínea b)).
Podemos concluir do próprio regime do recurso hierárquico que a hierarquia administrativa assume também uma vertente garantística dos direitos dos administrados e não tem apenas uma função organizatória.
Portanto, a legalidade e a oportunidade e conveniência das decisões dos órgãos infraordenados são suscetíveis de controlo ou de fiscalização pelos superiores hierárquicos. Se assim não fosse, estaríamos perante uma equiparação do subalterno a um órgão quase independente, perante o qual o superior não poderia controlar a atividade daquele e, consequentemente, não poderia ser responsabilizado pela sua execução.
O requerimento impugnatório deve ser formulado por escrito (art. 102.º e 184.º, n.º 3, do CPA) e, no caso do recurso hierárquico, dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato administrativo ou da omissão (art. 194.º, n.º 1, do CPA). Portanto, trata-se verdadeiramente de um recurso per saltum, pois recorre-se diretamente para a estrutura hierárquica no topo da cadeia, para se obter mais rapidamente uma decisão definitiva, salvo se a competência se encontrar delegada ou subdelegada.
Relativamente aos poderes do órgão para o qual se recorre, este detém diversos poderes no âmbito do procedimento do recurso hierárquico. Efetivamente, o superior hierárquico pode confirmar ou anular o ato administrativo e, se a competência do subalterno autor do ato não for exclusiva, revogar, modificar ou substituir o ato impugnado (salvo, evidentemente, nos casos em que a lei preveja o contrário), ainda que em sentido desfavorável ao recorrente.

Os recursos administrativos especiais, nos termos do previsto no art. 199.º do CPA, devem estar expressamente previstos na lei (o que revela a sua natureza excecional, distinguindo-os do recurso hierárquico) e podem ser exercidos nas seguintes situações jurídico-administrativas:
i)     Caso entre dois órgãos não exista hierarquia administrativa, embora integrem a mesma pessoa coletiva, e o órgão ad quem disponha de poderes de supervisão que lhe permitem revogar, alterar ou anular os atos administrativos praticados pelo outro órgão (alínea a), n.º 1, do art. 199.º). Portanto, poder-se-á recorrer para a estrutura orgânica que exerce esse poder de supervisão, impugnando-se, por esta via, o ato administrativo;
ii)   Para o órgão colegial, de atos ou omissões dos seus membros, comissões ou secções (alínea b));
iii) Se existir uma relação de tutela ou de superintendência revogatórias ou anulatórias entre órgãos de pessoas coletivas diferentes (alínea c)).
iv)  Recurso delegatório, sempre que existe delegação ou subdelegação de poderes (que resulta da conjugação dos art. 199.º, n.º 2, art. 49.º, n.º 2, e art. 169.º, n.º 4 do CPA).

Concluindo a análise destes recursos administrativos especiais, dizer que deve verificar-se, caso a caso, o enquadramento legal da supervisão e a sua amplitude, dadas as diferenças de autonomia dos diferentes órgãos e das diferentes pessoas coletivas públicas presentes na relação jurídico-administrativa, pois implicam o confronto entre dois órgãos da mesma ou de duas pessoas coletivas distintas, respetivamente.

Bibliografia
  • AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Vol. II. Almedina, 2016 (3.ª edição). Coimbra.
  • ALMEIDA, Mário Aroso de. Teoria Geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (4.ª edição). Coimbra.
  • CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. Âncora Editora, 2013 (12.ª edição), Lisboa.
  • FONTES, José. Curso Sobre o Novo Código de Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (6.ª edição), Coimbra.

Bruno Silva
Aluno n.º 57244




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