De
acordo com o Professor João Caupers, a invalidade
do ato administrativo consiste no juízo de desvalor emitido sobre ele, em
resultado da sua desconformidade com a ordem jurídica. As duas causas mais
comuns da invalidade são a ilegalidade e os vícios da vontade.
Segundo
o Professor Diogo Freitas do Amaral, a ilegalidade
do ato administrativo pode assumir várias formas. Essas formas chamam-se vícios do ato administrativo.
A
teoria dos vícios do ato administrativo surge com o direito administrativo francês
do século XIX, passando de seguida para outros países, como para Portugal. Esta
teoria vinha introduzir uma orientação de estabelecer uma tipologia legal dos
vícios do ato administrativo, nomeadamente pela conveniência de facilitar o
recurso dos particulares aos tribunais administrativos.
Nessa
época, o único mecanismo de reação dos particulares contra os atos
administrativos ilegais era o recurso por
excesso de poder. A partir do conceito de excesso de poder foram
progressivamente sendo autonomizados os vários vícios do ato administrativo.
Até
aos anos 30 do século XX, a doutrina e a legislação portuguesa referiam-se em geral à incompetência, ao excesso
de poder e à violação de lei ou ofensa de direitos adquiridos, englobando todas
as formas de ilegalidade de que os atos podiam padecer numa fórmula unitária.
Só
a partir desta altura é que, sobretudo por influência do Professor Marcello
Caetano, passou a falar-se verdadeiramente de uma construção neste domínio, que
distinguia cinco vícios: a usurpação de
poder, a incompetência, o vício de forma, o desvio de poder e a violação
de lei. Os tribunais portugueses começaram a especificar e definir os
diversos vícios.
Aquilo
que inicialmente era apenas uma construção doutrinal passou a ter valor
normativo em 1956, quando o art. 15º/1 da Lei Orgânica do Supremo Tribunal
Administrativo (LOSTA), que esteve em vigor até 2003, introduziu pela primeira
vez no Direito português uma enumeração legal de vícios do ato administrativo
correspondente aos cinco vícios identificados pela doutrina.
Esta
enumeração permitiu à teoria dos vícios do ato administrativo ter um grande
peso na teoria do ato administrativo em geral, quer em termos substantivos,
quer em termos processuais.
Do
ponto de vista substantivo, concluía-se que a enumeração era fechada, o que
deixava de fora outras formas de ilegalidade que não se reconduzissem de forma
clara a cada um deles.
Do
ponto de vista processual, considerava-se que a não alegação, pelo recorrente, do
vício de que padecia o ato impugnado, na petição inicial, precludia a
possibilidade da sua alegação num futuro recurso contencioso.
A
tendência atual é a de relativizar a teoria dos vícios do ato administrativo,
motivada especialmente pela entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA), que levou à revogação do art. 15º/1 da LOSTA. Como tal,
já não existe na ordem jurídica qualquer enumeração legal dos vícios do ato
administrativo.
Entende-se,
em termos substantivos, que os cinco vícios do ato administrativo doutrinalmente
reconhecidos não correspondem a um elenco taxativo de formas de ilegalidade do
ato administrativo.
Em
termos processuais, deixou de ter qualquer fundamento a exigência de alegação
dos vícios dos atos administrativos objeto de impugnação perante a
administração ou perante os tribunais.
Ora,
existem vícios orgânicos, relativos ao
autor do ato administrativo, como a usurpação
de poderes e a incompetência; vícios
formais, relativos à forma do ato administrativo, como o vício de forma; e vícios materiais, relativos ao objeto, ao conteúdo ou aos motivos
do ato, como o desvio de poder e a violação
de lei.
A
usurpação de poderes é o vício do ato
administrativo pelo qual um órgão da Administração pública exerce uma outra
função do Estado que não a função administrativa, sem que para isso esteja
habilitado, saindo deste modo do âmbito do poder administrativo. Trata-se de
uma violação do princípio da separação de poderes (art. 2º e art. 111º da
Constituição da República Portuguesa). Este vício comporta três modalidades: a usurpação do poder legislativo, a usurpação do poder moderador (isto é, do
poder presidencial) e a usurpação do
poder judicial.
A
incompetência existe quando um órgão
da Administração pratica um ato administrativo incluído nas atribuições ou na
competência de outro órgão administrativo, sem que qualquer norma legal lhe
atribua competência para tal. A incompetência pode ser absoluta ou relativa. Na
incompetência absoluta, o vício do ato verifica-se quando um órgão
administrativo pratica um ato fora das atribuições da pessoa coletiva a que
pertence; já na incompetência relativa, o vício do ato verifica-se quando um
órgão administrativo pratica um ato que está fora da sua competência, mas que
pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva. Podem
distinguir-se quatro modalidades: a incompetência em razão de matéria, em razão de hierarquia, em razão do lugar e em razão do tempo.
O
vício de forma afeta os atos
administrativos praticados com desrespeito dos seus requisitos objetivos
formais de legalidade. Existe em duas modalidades: o vício de forma por preterição da forma legal e o vício de forma por preterição de
formalidades essenciais. A validade de um ato administrativo afere-se
sempre pela conformidade desse ato com o ordenamento jurídico no momento em que
ele é praticado. Se a preterição das formalidades ocorrer depois de o ato ser
praticado, este não fica inválido, já que não há repercussões para trás.
O
desvio de poder corresponde ao vício
que afeta o ato administrativo praticado no exercício de poderes
discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com fim
diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não
coincidam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes. Este vício pode assumir duas formas: o desvio de poder por motivo de interesse
privado e o desvio de poder por
motivo de interesse público. Este vício é típico dos atos praticados ao
abrigo de margem de livre decisão – liberdade que a lei confere ao órgão da
Administração para atuar, pois nos atos administrativos vinculados os
requisitos funcionais de legalidade são de reduzida, ou mesmo nula,
importância. O desvio de poder é muito difícil de provar, uma vez que as
situações em que este vício ocorre são normalmente dissimuladas pelos seus
responsáveis, através da ocultação dos verdadeiros motivos na fundamentação do
ato.
A
violação de lei consiste na discrepância
entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis. A violação de lei deve de ser entendida num sentido restrito,
porque em sentido amplo todos os vícios são violações da lei. A violação de lei
origina-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a
Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida
quando a lei mande decidir algo. Porém, a doutrina vem reconhecer que também no
exercício de poderes discricionários pode ocorrer um vício de violação de lei,
quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam a discricionariedade
administrativa, tais como os princípios constitucionais.
Como
consequência da sua ilegalidade, os atos administrativos são normalmente
inválidos. A invalidade do ato administrativo está regulada essencialmente nos
artigos 161º a 164º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que aludem
à nulidade e à anulabilidade.
O
vício de usurpação de poder gera sempre nulidade (art. 161º/2/a) do CPA), já as
ilegalidades reconduzíveis a qualquer um dos outros vícios podem resultar em
nulidade ou em anulabilidade.
De
acordo com o entendimento do Professor Marcelo Rebelo de Sousa e com o Professor
André Salgado de Matos, o declínio da teoria dos vícios do ato administrativo
leva a que o seu alcance hoje em dia seja fundamentalmente sistemático e
pedagógico, mas deve reconhecer-se que, embora com os seus limites, esta tem
resistido ao tempo.
Por
seu lado, o Professor Vasco Pereira da Silva considera que esta teoria não é adequada
do ponto de vista administrativo, já que afunila o pensamento
jurídico-administrativo, podendo outros vícios também importantes passar ao
lado.
BIBLIOGRAFIA
AMARAL,
Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, volume II, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016
CAETANO,
Marcello, Manual de Direito
Administrativo, volume I, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2016
CAUPERS,
João, Introdução ao Direito
Administrativo, 9ª Edição, Âncora Editora, Lisboa, 2007
SOUSA,
Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral, volume III, 2ª Edição, Publicações Dom Quixote, 2009
SILVA,
Vasco Pereira da, Em busca do Ato
Administrativo Perdido, 1ª Edição, Almedina,
Coimbra, 1995
Joana Cardoso, subturma 10, nº 57075
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