Como sabemos o CPA apresenta-nos uma definição de ato
administrativo no seu art.148º, mas o que podemos dizer é que o ato
administrativo é a fixação de uma situação jurídica e que funciona como a
principal forma de atuação da Administração Pública, tendo em conta no entanto
que existem ainda os contratos, art.200º e ss. CPA, e os regulamentos, art.135º
e ss. CPA.
No entanto o conceito disposto no art.148º do CPA
deixa espaço para que muitos autores o contestem em termos da sua abrangência,
do seu desfecho formal e das realidades que o mesmo contém.
Relembrando a evolução do ato administrativo, que começa
pelo tempo do Espado Liberal onde vigorava uma Administração agressiva com o
paradigma do “ato de polícia” e onde
se definia o Direito de forma coativa, podendo ser imposto ao particular as
decisões administrativas tendo até privilégios decisórios e executórios,
seguido do período do Estado Social onde se iniciou uma realidade
administrativa prestadora em que a lógica do ato administrativo era a do “ato
favorável” que atribuía vantagens aos particulares e acabando no período do
Estado Pós-Social que ilustra uma Administração infraestrutural e onde houve
uma nova transformação do ato no quadro das relações multilaterais com eficácia
múltipla, sendo o particular considerado como sujeitos nessa relação jurídica, deixando
de ser considerados como 3ºs.
A noção atual achou necessário encontrar um
conceito de ato administrativo capaz de compreender todas estas realidades, ou
seja um conceito amplo que permita explicar todos os tipos de atos
administrativos e tudo o que se passa ao nível da realidade do ato
administrativo. Pois entendeu que essa noção deveria ser suficientemente ampla
para abarcar todas as práticas de atos administrativos dos nossos dias, ou
seja, os atos polícia, administração prestadora e administração
infraestrutural.
Relativamente a esse entendimento, o Professor Doutor
Vaco Pereira da Silva vem-nos dizer que essa conceção ampla e aberta do CPA é extremamente
adequada para conceituar a realidade que abarca o ato administrativo de hoje em
dia, pois na mesma cabem os atos de definição de direito, os atos prestadores e
infraestruturais.
A questão doutrinária divide-se então em dois polos
opostos: Por um lado existem autores que reclamam que essa noção é restritiva,
ainda por cima tratando-se de um ato regulador e por outro lado existem autores
que a caraterizam como uma noção ampla e aberta de ato administrativo.
Art.148
do CPA
“Para efeitos do
disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos,
visem produzir efeitos jurídicos externos
numa situação individual e concreta.”
O debate impõem-se em duas expressões, “decisões” e
efeitos jurídicos “externos”.
Em relação à utilização da expressão “decisão”, o
Professor Freitas do Amaral entendia que este termo implica a comparação do ato
administrativo às decisões judiciais, daí serem atos definidores de direito.
Pode dizer-se que este autor era adepto de uma noção ampla do ato
administrativo, embora reduzido para efeitos contenciosos numa aceção de apenas
ato definitivo executório. Na edição mais recente mudou de opinião, devido às
mudanças no quadro da realidade administrativa portuguesa.
Já o Professor Vasco
Pereira da Silva entende que esta expressão é ampla e neutra e não tem nenhuma
dimensão redutora, entendendo que a decisão no seu âmbito sociológico é a atividade
comum de todas as realidades institucionais. Contesta ainda a teoria de Freitas
do Amaral e diz que ato definitivo e executório é um conceito absurdo que já
não faz qualquer sentido desde que a CRP afastou esse entendimento na revisão
1989, pois dizia-se que “só são admissíveis contenciosamente os atos
definitivos, com exceção de todos os que não são definitivos”, que correspondem
a uma realidade que é quase igual a todos os outros, significando que esse não
é um critério legal, portanto, não fazia sentido continuar a utilizar o mesmo,
que, de resto, já tinha caído em desuso pela própria prática da justiça
administrativa e pelo próprio funcionamento do contencioso administrativo.
Em relação à expressão que diz que as decisões que
visem produzir efeitos jurídicos “externos”, Freitas do Amaral diz-nos,
igualmente como já defendia Rogério Soares, que o novo CPA vem introduzir a
referência à sua aptidão para produzir efeitos externos, pois como sabemos os atos
administrativos produzem efeitos jurídicos no setor do ordenamento jurídico
geral, constituindo ou modificando relações intersubjetivas, alterando as
relações entre o ente público e o particular. Refere ainda que os atos internos
não são atos administrativos porque não assumem relevância no ordenamento
geral, aquele que tutela as relações entre figuras subjetivas autónomas, logo
não estariam contidos nessa noção.
Consequentemente Vasco Pereira da Silva contesta
esta referência que o legislador fez questão de fazer em relação aos efeitos jurídicos
externos e dizendo que os atos internos não são atos administrativos,
preferindo até nesta vertente a noção anterior do CPA dizendo que os atos
internos não são atos administrativos, que referia apenas “(…) consideram-se actos administrativos as
decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público
visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
No entanto, acaba por referir que essa distinção entre
atos externos e internos não tem nenhuma utilidade, pois a produção de efeitos
jurídicos são forçosamente externos, já que diz respeito a uma realidade que
produz efeitos para fora, pois o que interessa é se os efeitos que se produzem
dentro da Administração extrapolam dela e aparecem no exterior.
Assim o professor Vasco Pereira da Silva preferia que
não estivesse lá a palavra externa, mas estando, está ligada aos efeitos e
mesmo que eles se produzam no interior dizem respeito a toda a ordem jurídica.
Na minha opinião, penso que o entendimento do
Professor Vasco Pereira da Silva se encontra mais adequado ao que realmente a
noção do 148º pretende transmitir enquanto conceito de ato administrativo, ou
seja, a palavra “decisão” não implica uma noção restrita de ato administrativo,
assim como os autores que dizem que a palavra “externos” também reduz o
conceito de ato administrativo, pois o legislador adotou uma noção ampla e
aberta, não se tendo que substituir à doutrina na elaboração de conceitos e
deve limitar-se a elencar as situações em que se podem aplicar os conceitos.
Matilde
Ribeiro
Nº56851
Bibliografia:
AMARAL,
Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016;
PEREIRA DA
SILVA, Vasco, Em busca do ato
administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996;
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