segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O Direito Administrativo sem fronteiras


“O Direito Administrativo sem fronteiras

Numa nota prévia, é necessário reconhecer que também se pode falar em “Fonteiras do Direito Administrativo”. 
Falamos assim antagonicamente ao tema em questão, no sentido de enunciar os demais ramos de Direito existentes em comparação com o Direito Administrativo, ou seja, em estudar as suas distinções e relações entre ambos.
Deste modo podemos referenciar o Direito Administrativo vs. O Direito Privado; O Direito Administrativo vs. O Direito Judiciário; O Direito Administrativo vs. O Direito Penal e por fim o Direito Administrativo vs. O Direito Internacional.
Em cada ramo de direito existem diferenças que os fazem ser 2 tipos de direito distintos e por isso falar de fonteiras apresenta-se como que um conceito pertinente para que possamos definir da melhor forma possível o que na verdade é o Direito Administrativo e como este atua com os outros ramos existentes.
No entanto, quando falamos em Direito Administrativo não podemos deixar de pensar na sua expansão e no seu meio de intervenção, pois mesmo que se consiga fazer essa distinção fronteiriça não podemos pensar no mesmo como uma realidade estanque mas sim uma realidade bastante dinâmica fase a esses mesmos ramos distintos, e vice-versa. Um dos exemplos, e pegando no ramos acima referidos, é o do Direito Administrativo vs. Direito Internacional: durante as ultimas décadas o Direito Administrativo tem contribuindo bastante para a elaboração normativa, jurisprudencial e cientifica do Direito Comunitário europeu, assim como tem sido sujeito a cada vez mais normas comunitárias que o condicionam internamente, com por exemplo o regime jurídico da concorrência e dos preços e com a liberalização de alguns serviços públicos tradicionais, (energia e telecomunicações).

De outro modo, podemos também falar em “Direito Administrativo sem fronteiras” tendo como base 3 origens:

1. O Direito Comparado
2. O Direito Europeu
3. O Direito Global


1. No século XIX e prolongando-se no seculo XX até ao anos 70, o Direito Administrativo era um direito nacional que mudava consoante o Estado a que estava adstrito, não havendo por isso um único Direito Administrativo nem a preocupação dos administrativistas de conhecer e comunicar com os direitos dos diferentes Estados. Não havia assim a necessidade de comparar os Direitos Administrativos existentes. 
O facto de o Direito comparado apenas ser utilizado no ramo privado também impossibilitava essa sua aplicação mais abrangente. 
Foi só nos anos 70 que surgiu a necessidade de conhecer e comparar os diferentes direitos existentes. Uma época que se denota pela transição de um Estado de Providência, prestador e com intervenção social direta, para passarmos para um Estado que garante nas áreas económicas e sociais um estimulo, regulação, orientação e incentivo das atividades privadas designadamente as que prosseguem fins comuns/gerais – O Estado Pós-social –. Este passou a perder o seu protagonismo de intervenção para dar lugar e incentivar os seus cidadãos a dinamizar ecomonica e socialmente, quer lá dentro, quer em relações sociais internacionais. 
Com esta “margem de manobra” e uma abertura que possibilitava para além do nacional, os administrativistas sentiram a necessidade de conhecer o Direito dos Vizinhos para entender o seu próprio Direito.
Foi através do Direito Comparado que se possibilitou este conhecimento internacional do Direito Administrativo e aqui podemos referir-nos já ao segundo ponto.


2. O Direito Comparado atua como fonte do Direito Europeu, este possibilita que através do conhecimento dos diferentes direitos nacionais dos Estados que o compõem se crie um conjunto de princípios comuns europeus que podem assim submeter esses mesmos Estados. É o conhecimento do conjunto de regras nacionais desses Estados que vai permitir criar vetores relacionais, ou seja, princípios, que os vão ligar enquanto comunidade europeia.
Temos como exemplo o Tribunal de Justiça da U.E  que para criar um Direito Administrativo tem que comparar todos esses Direitos Administrativos nacionais para poder submeter todos esses Estados a princípios comuns europeus. Trata-se de uma autentica “europeização” do Direito.

3. Outro dos aspetos que contribuiu para um Direito Administrativo sem fronteiras foi a globalização, fenómeno que pode ser evidenciado acima de tudo pela comunicação social, economia, politica, MAS hoje em dia também o apresenta no domínio jurídico.  
Podemos assim falar de um Direito Administrativo Global, ou seja, um conjunto de regras e princípios europeus conhecidos internacionalmente e que regem as relações e problemas europeus entre entidades públicas e privadas de diferentes Estados.
Esta expansão global do Direito Administrativo surgiu, em primeira análise, com as consequentes transformações do DIP e pelo aumento dos sujeitos de Direito Internacional. 
No primeiro caso essas transformações consistiram no facto de antigamente os Estados apenas manterem relações entre si, ou seja, relações horizontais – acordavam regras e impunham-nas no seu território que por sua vez eram “unilateralmente” responsáveis pelo seu cumprimento ou incumprimento dessas regras pelos seus nacionais – só existiam relações verticais entre o Estado e os seus sujeitos e que compreendiam todos os problemas do seu Direito interno.
Foi apenas nos anos 70 que o DIP passou a aplicar-se diretamente aos indivíduos e não só estabelecido como um “Direito dos Estados”, passando assim a ser também sujeitos de DIP:
- as relações verticais que cada Estado mantinha independentemente, passam a ser reguladas conjuntamente por toda a comunidade global, não havendo assim diferenças;
- surgem os tribunais internacionais, não na sua génese, mas que alargaram as suas funções para regular essas relações verticais, no caso de um cidadão querer apresentar alguma queixa contra o seu próprio Estado pelo incumprimento dessas regras ou contra outro Estado.
Assim a realidade jurídica tornou-se uma realidade global, existindo uma rede de relações entre diversos indivíduos e entidades públicos e privadas que são regularizadas internacionalmente, tanto para o Direito Administrativo como para o DIP. 
No segundo caso, o aumento dos sujeitos de direito internacional também abriu portas para uma necessidade de transformar a natureza desse direito pois seria imprescindível criar mecanismos que conseguissem responder aos problemas de todos os sujeitos como é o exemplo dos tribunais, órgãos administrativos especiais encarregados de emitir normas de Direito Administrativo Global e de julgar litígios de normas referentes aos direitos fundamentais considerados de aplicabilidade imediata, e que os particulares pudessem defender-se do seu próprio Estado com a violação dessas regras.


O que se pode concluir com esta análise de um verdadeiro Direito Administrativo sem fronteiras é o facto de este surgir num âmbito de necessidade de acompanhar a evolução global, que nos trás novos desafios e novos problemas que precisam de respostas atualizadas e de um pensamento dinâmico e informado para deste modo conseguirmos construir um Direito Administrativo adequado a todos os seus “pacientes”.


Bibliografia:


AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ªEdição, Almedina, Coimbra, 2016


PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do Ato Administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996 

Matilde Ribeiro | Subturma 10 | Nº 56851

domingo, 29 de outubro de 2017

Administração Estadual Indireta

Com o surgimento do estado social temos assistido a um crescimento exacerbado da máquina do estado. Com ela, tem invariavelmente de crescer em tamanho a Administração.  Assim o Estado tem hoje a seu cargo um vasto e crescente número de Fins ou Atribuições que persegue geralmente duma forma direta e imediata, ou seja, que administra diretamente. Porém, podemos encontrar exceções a esta forma de atuação. Existem serviços que desempenham as suas funções com autonomia. Nas palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, “tem ainda algo a ver com o estado, mas sob uma forma indireta ou mediata”. Quer isto dizer que o estado confia a outros sujeitos que não ele mesmo a realização dos seus próprios fins. E é no fundo a isto que se resume o conceito de Administração Estadual Indireta. Estadual, já que, continuamos a estar perante a persecução de fins do estado, mas Indireta pois não é o próprio que os persegue.
A decisão de criar estas instituições cabe efetivamente ao estado, porém a sua criação é muito livre de acordo com a Lei Quadro dos Institutos Públicos (lei nº3/2004, de 15 de janeiro) e assim, os Institutos foram sendo criados a um ritmo acelerado. O constante alargamento e complexificação das funções e vida administrativa do estado fizeram com que a realização das mesmas por foram direta e integrada se tornasse, por vezes, inconveniente. Assim sendo, foram sendo delegadas um inúmero de funções do estado que não necessitam de “despachar diariamente com o ministro”, ou seja, que podem ser exercidas com algum grau de afastamento da esfera de intervenção direta do estado.
Uma das maneiras de recorrer a esta delegação de funções será a criação pelo Estado de Empresas Públicas, cuja gestão passará a ser de tipo empresarial, e entregue a um concelho de Administração tal como se passaria numa empresa privada. Esta solução é extrapolável para todas as entidades que não possam nem precisem de ter uma estrutura fortemente burocrática e hierárquica como aconteceria caso estivessem sob administração direta do estado. A CP (Comboios de Portugal) será um bom exemplo deste tipo de situação, pois é quem assegura uma das vertentes dos transportes públicos, que seria também tipicamente uma função do estado, mas não era eficiente nem necessário que o Diretor Geral da CP despachasse todos os dias com o ministro dos transportes. 
     É também de notar que o grau de autonomia é variável de instituto para instituto:
·      No expoente máximo de autonomia temos as empresas públicas, cujo funcionamento será bastante semelhante ao de um empresa privada.
·   Numa situação de autonomia intermédia temos institutos como os organismos de coordenação económica, porque estes já comportam funções de uma certa autoridade, própria da função estatal direta.
·      E num mínimo de autonomia temos alguns Institutos que funcionam como verdadeiras Direções Gerais de um qualquer ministério mas às quais foi dada uma personalidade jurídica e autonomia financeira que não passarão de meras ficções.

Mas a Administração Indireta tem um amplitude bastante mais variável do que a que demonstram estes 3 pontos. Encontramos situações que vão desde o que o professor Diogo Freitas do Amaral apelida de Administração Geral Desconcentrada, onde os serviços não dependem diretamente das ordens do governo e têm sobretudo, órgãos próprios de Gestão e Direção, mas apesar disso continuam a ser Administração estatal e continuam a estar incorporados naquilo que é o estado. A maioria das escolas secundárias do país funcionam nestes moldes, constituindo assim um bom exemplo do que se fala.
Temos também outro tipo de serviços ou estabelecimentos que gozam de um nível de autonomia mais extenso que lhes é atribuído pelo facto de possuírem uma personalidade jurídica própria. Quando se dá esta situação, os sujeitos por ela comtemplados passam a ser pessoas completamente distintas da pessoa do estado. Como exemplo desta situação temos o Banco de Portugal, que tem a função de supervisionar o sistema bancário nacional. Tendencialmente, uma função de “supervisionar” seria sempre do estado, mas neste caso o legislador entendeu que seria uma melhor opção designar estas funções num organismo autónomo com personalidade jurídica própria.
Com o uso destes exemplos fica também demonstrada a conveniência de adotar estas novas formas de Administração, já que permitem assegurar, de uma maneira mais eficaz, os fins do Estado.
E é com esta intenção de assegurar os fins do estado de um modo mais eficaz que têm surgido estes centros autónomos de Gestão e Decisão. Podemos efetivamente designa-los como verdadeiros centros autónomos de Gestão e Decisão pois são dotados de Personalidade Jurídica própria, bem como de capacidade para gerir o seu próprio pessoal, o seu próprio orçamento, o seu próprio património e ainda as suas próprias contas.
De facto, a própria Constituição da República Portuguesa impõem esta realidade de Desburocratização no seu artigo 267º/1 onde se pode ler “A administração pública será estruturada de modo a evitar a burocratização”. E diz-nos o Professor João Caupers que “sem a desburocratização é menor a eficiência das decisões administrativas e aumentam as potencialidades de lesão de posições jurídicas subjetivas dos particulares”
Para além da eficiência podem ainda discutir-se outras motivações para a criação destes organismos de Administração Indireta.
Uma delas será a vontade do estado de escapar ás estritas regras da contabilidade pública, pois estas organizações não serão alvo do controlo e disciplina orçamental que impera noutras organizações diretamente dependentes do estado.
Haverá ainda quem enumere motivos de ordem política, como o Professor Freitas do Amaral que critica o uso em demasia destes institutos dizendo que “alargam fortemente o intervencionismo do Estado”, e que promovem “a execução de uma política de orientação Socialista”, perspetiva que é agravada pela fuga ao controlo político e financeiro do parlamento que se consegue fazer através destes Institutos.
Ainda assim, Administração Indireta é sempre uma forma de Atividade Administrativa que tem como finalidade última de perseguir os fins do Estado, pois as entidades em questão podem até agir em nome próprio pois são pessoas diversas do estado mas agem sempre no melhor interesse deste.
Isto poderá ser reforçado pelo facto de que estas entidades são criadas pelo estado e como tal este suporta os custos financeiros da criação e suporta ainda o prejuízo caso estas entidades entrem em situação deficitária, pois o estado não pode permitir que estas atinjam a situação de falência já que estas asseguram os tais fins e atribuições do estado.
Deste modo será também fácil compreender que o estado terá sempre um grande poder de intervenção sobre estas entidades mesmo que estejam em situação de quase plena autonomia com personalidade jurídica própria.
O que se passa nestas situações de Administração Indireta é que existe uma “Devolução de poderes” em que o estado transmite parte dos seus poderes a entidades que não estão integradas nele mesmo, e assim, do mesmo modo que transmite esses poderes também lhe é permitido recupera-los, ou seja, desprover a instituição dos poderes antes transmitidos.
Outro elemento que nos permite compreender a extensão da possível intervenção estatal junto destas entidades será a de que o estado conserva a faculdade de nomear e demitir os seus dirigentes, de fiscalizar e controlar a forma como uma qualquer atividade é desempenhada pela dita entidade e conserva ainda a faculdade de dar instruções e diretivas acerca do modo de exercer a tal atividade. Ou seja, ainda que não dê nem possa dar ordens diretas a este tipo de instituições, o estado continua a poder, de certa forma, direcionar a sua conduta.
Ainda assim pode considerar-se este nível de envolvimento compreensível pois, em última instância, o que está em causa é sempre a persecução dos fins do Estado e cabe a este assegurar-se de que estão a ser perseguidos da melhor maneira. Já que, novamente nas palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, estas “entidades não são o Estado, mas completam o Estado.”

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do Curso de Direito Administrativo, I, 4ªEdição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 297 - 354
CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 8ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2005, pp. 136 - 146

Cristiano Tomás, aluno nº 56999, Turma B, Subturma 10

O Direito Administrativo da Regulação

O DIREITO ADMINISTRATIVO DA REGULAÇÃO
Ana Carolina Godinho Neves, aluna nº56901 da FDUL

            O presente texto tem como objetivo apresentar o Direito Administrativo da Regulação, o qual pode ser considerado uma nova área do Direito Administrativo, no seio do Estado Regulador e de Garantia, no qual, de acordo com a doutrina recente, vivemos, hoje em dia.
            De facto, e olhando apenas para a experiência portuguesa, nas duas últimas décadas do século passado, e após a onda de privatizações de empresas públicas, que tinha como objetivo corrigir deficiências nos mercados económicos advindas da configuração da economia adotada depois da revolução de 25 de Abril de 1974, seguiu-se um processo de alargamento de economia de mercado. Este nasce por influência comunitária, visto que, após os acontecimentos de 1989-1991 (entre os quais se destacam a queda do muro de Berlim e desmantelamento da cortina de ferro, fim do pacto da Varsóvia e do COMECON e implosão da URSS) assistiu-se a um processo de transição dos Estados europeus de economia central planificada para economias de mercado e que enveredam por pedir a adesão à União Europeia.
            Assim, “associada a todo esse complexo processo de reconfiguração das missões e da posição do Estado, e até para o explicar, impôs-se uma nova gramática, que acomodava e explicava o movimento sob o mote da diversificação dos graus das responsabilidades públicas [Gonçalves (2006): p. 536].
            Pressupunha-se, pois, que entre o modelo de Estado Liberal (construído a partir dos ideais das revoluções liberais americana e francesa e que se caracteriza pela imposição do Princípio da Separação de Poderes e pelo Princípio da Legalidade da Administração, do qual decorre que esta só pode atuar quando a lei dá liberdade para tal; é necessário também notar que este modelo é marcado por um grande liberalismo económico) e o modelo de Estado Social (no qual deixa de haver cisão entre o Estado e a sociedade, pois o Estado começa a interferir na vida da sociedade civil, ou seja, ele promove o contacto com a sociedade, deixando de ser um Estado-noturno e passando a ser um Estado de Providência) existe um “degrau intermédio” [Gonçalves (2006): p. 536]  que corresponderá  ao Direito Administrativo atual e  que tem como principal forma o ato administrativo, figura a que nos ocuparemos mais à frente, que é regulado pelo Direito Administrativo; assim, o Estado passa a ter de fiscalizar e regular e por isso nascem as entidades reguladoras. A isto corresponderá o Estado Regulador e de Garantia.
            Neste âmbito, segundo o Professor Pedro Costa Gonçalves, garantia pode ser entendido como uma “fórmula que alude a um dever ou a uma incumbência, que permanece na esfera do Estado, de ‘garantir’ ou de ‘assegurar’ a realização de certos fins de interesse público (como, v.g., a defesa dos direitos dos cidadãos, a promoção do bem-estar, a segurança pública, o fornecimento de ‘serviços de interesse geral’)” [Gonçalves (2006): p. 537].
Este degrau intermédio, efetiva-se através da regulação, conceito que passamos a destrinçar.
            Antes de mais, podemos assinalar, num significado geral, de raiz etimológica que a regulação “traduz-se numa atividade de estabelecimento de regras, que garante o equilíbrio de um determinado sistema ou mecanismo” [Moreira (1997): p. 34].
            Embora a regulação tenha sido concebida de forma intrinsecamente conectada com uma vertente económica, a fim de garantir o funcionamento regular da economia através da correção de falhas de mercado, atualmente, comporta já missões que extravasam deste âmbito. Assim sendo, hoje fala-se também de regulação social, demonstrando que, é no contexto amplo da privatização que surge a regulação, como meio de fazer com que os particulares vejam os seus direitos garantidos, mesmo na ausência da atuação direta do Estado.
            Diz-nos o Professor Vital Moreira que “O termo ‘regulação’ é essencialmente ambivalente: por um lado designa um estado de equilíbrio e de regularidade no funcionamento de um sistema ou mecanismo; por outro lado, aponta para o estabelecimento de regras (regulamentos) a serem observadas num determinado comportamento ou situação, tendo precisamente como objetivo garantir ou repor o equilíbrio e/ou a regularidade do seu funcionamento.” O mesmo autor refere ainda três amplitudes deste conceito: (i.) em sentido amplo, regulação é qualquer forma de ingerência do Estado sobre assuntos económicos; (ii.) em sentido mais restrito, o conceito relaciona-se com a intervenção estatal na economia, disciplinando a atuação dos particulares; e (iii.) no mais restrito dos sentidos, relaciona-se com a estatuição das normas acerca da disciplina privada. Quanto ao objeto da regulação, este poderá ser económico, se tivermos em conta apenas este campo específico ou então, social, ao considerar-se que a regulação atende a uma “bússola” ética que sujeita os mercados a interesses alheios a este [Moreira (1997): p. 21].
            De acordo com o Professor Pedro Costa Gonçalves, o conceito em questão comporta uma pluralidade de sentidos. Contudo, para o que nos interessa, a regulação do Estado consistirá numa “categoria conceptual que identifica uma intervenção estadual externa (hetero-regulação) na esfera da economia, do mercado e, em geral, das atividades privadas desenvolvidas em contexto concorrencial; Em traços genéricos, essa intervenção consiste na definição das condições normativas de funcionamento da atividade regulada e no controlo da aplicação e observância de tais condições” [Gonçalves (2006): p. 540].
            A bom ver, independentemente do sentido (conformador, dirigista, disciplinador ou simplesmente controlador) que possa conhecer a atuação reguladora, esta traduzirá sempre a interferência de alguém que se pode considerar externo à atividade regulada, o Estado regulador, que apenas intervém para definir as regras do desenvolvimento da atividade, bem como para fiscalizar se essas regras foram ou não cumpridas.
            Esta adoção conceptual compreende regulações sectoriais e regulações transversais.
 A regulação sectorial reporta-se a sectores determinados da economia, como, por exemplo, a energia, as comunicações ou a banca e pressupõe vastos poderes normativos por parte das entidades reguladoras “bem como o emprego da técnica da imposição de obrigações ex ante e, em geral, a submissão dos regulados a uma incidência particular de poderes de supervisão e fiscalização” [Gonçalves (2006): p. 541]. Aqui, podemos falar de uma certa tentativa, por parte do Estado, de atingir resultados e ainda punições para os incumprimentos das regras impostas, denotando uma regulação de natureza intrusiva.
 Por sua vez, a regulação transversal, tem um caráter menos intrusivo e diz respeito à generalidade dos agentes económicos. Neste âmbito, “as normas regulatórias assumem agora um caráter limitador e, em regra, dão lugar a uma aplicação ex post, com a função de reprimir comportamentos desviantes” [Gonçalves (2006): p. 542], estando subjacente a ideia de que o mercado deve funcionar sem qualquer interferência pública, salvo no caso de ocorrência de patologias e desvios mais ou menos graves, abusos ou práticas lesivas do interesse geral. O caso paradigmático de regulação transversal é a regulação da concorrência, que visa assegurar a aplicação das regras de promoção e defesa da concorrência nos setores privado, público, cooperativo e social, no respeito pelo Princípio da Economia de Mercado e de Livre Concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a afetação ótima dos recursos e os interesses dos consumidores.
Desta forma, é legítimo dizer-se que a intervenção pública reguladora pode atingir toda a economia (regulação transversal) ou apenas um setor económico social determinado (regulação sectorial).
Como já antes visto, apesar de a relação entre mercado e regulação nos levar a apresentar o direito da regulação como uma disciplina jurídica da economia, temos de fazer notar que a intervenção do Estado regulador não se limita apenas àquela, sabe-se que, hoje em dia, a regulação foi exportada para setores em que a regulação não tem apenas uma finalidade económica.
            O âmbito da regulação não se limita à ação das entidades reguladoras, a qual se desenvolve a partir de atos legislativos, o que em si já é regulação. Sendo assim, podemos afirmar que a regulação levada a cabo por estas entidades consiste numa atividade de execução de uma função administrativa.
            Quanto à sua natureza jurídica, as normas regulatórias têm origem pública. Isto é, são editadas por autoridades públicas, no exercício de um poder público de carácter legislativo (leis e decretos-leis) ou administrativo (regulamentos). Estas normas podem integrar a esfera do direito público ou do direito privado, consoante se dirijam às entidades reguladoras ou a outras entidades da Administração Pública, ou aos regulados diretamente, com o objetivo de os orientar ou influenciar os seus comportamentos.  São as normas regulatórias de direito público as que delimitam o âmbito do direito administrativo da regulação.
            Tendo em conta o que foi dito, afere-se a componente administrativa da regulação, pois, “regulação, enquanto tarefa de ‘entidades reguladoras’, consiste numa atividade operativa, de execução de uma função ou atividade administrativa” [Gonçalves (2006): p. 546]. Para o Professor Pedro Costa Gonçalves, a função da regulação administrativa é remetida para os quadros tradicionais da atividade administrativa, considerando que as entidades reguladoras integram a Administração Pública e desempenham funções administrativas,  por se basear “no entendimento de que a regulação, enquanto a missão das entidades reguladoras, constitui, por um lado, uma atividade de prossecução de interesses públicos, (funcionamento equilibrado dos mercados, proteção e realização de direitos dos cidadãos) e, por outro, uma tarefa heterodeterminada (em sede político-legislativa)” [Gonçalves (2006): pp. 546-547].
            Note-se, contudo, que apesar de a regulação se encarregar de atividades próximas da função jurisdicional, bem como assumir poderes normativos que a aproximam também da função legislativa essas têm de se tratar de tarefas administrativas, pois se assim não o fosse, estar-se-ia a violar o Princípio da Separação de Poderes, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
            Avançado o conceito de regulação, resta-nos debruçarmo-nos sobre a caracterização do Direito Administrativo da Regulação.
            Para começar, há que referir que existem vários Direitos Administrativos da Regulação: cada sector tem o seu direito regulador. Apesar disto, é possível encontrar aproximações entre eles, isto é, momentos de unidade jurídica.
Então, tendo em conta este conjunto, pode dizer-se, no geral, que o Direito Administrativo da Regulação “compreende, portanto, as normas regulatórias dirigidas a entidades da Administração Pública (‘entidades reguladoras’), visando a estruturação e a montagem de sistemas de regulação, bem como o enquadramento e a disciplina da ação de tais entidades traduzida na adoção de medidas no âmbito desses sistemas” [Gonçalves (2006): p. 547].
            As fontes específicas do Direito Administrativo da Regulação são as leis, que instituem os vários sistemas de regulação e os regulamentos, editados pelas entidades reguladoras.
            Ainda, tendo em conta que, o facto de a regulação estadual ser o instrumento de desempenho e de efetivação da responsabilidade pública de garantia, importa dizer que o Direito Administrativo da Regulação é uma aplicação paradigmática do Direito Administrativo de Garantia.
            Vejamos, agora, oito das características tendenciais do Direito Administrativo da Regulação, que se verificam apenas na generalidade dos casos, tendo por base a exposição do Professor Pedro Costa Gonçalves.
            A primeira particularidade prende-se com a desgovernamentalização de administrações estaduais. Aqui releva o Princípio Liberal da Separação entre Política e Administração, que leva ao fenómeno da criação de entidades administrativas independentes e à instituição nessas de funções de regulação, tais como a defesa e a aplicação do direito da concorrência. O que se pretende é alcançar uma atuação neutral sem interferências ou pressões de natureza política. Assim, essa neutralização estará conforme com a própria natureza da função regulatória, apresentada geralmente como atividade de natureza técnica e apolítica. Contudo, a desgovernamentalização não significa a total independência das entidades reguladoras face ao Governo, muitas das vezes representando tão só uma independência funcional e orgânica, pelo que é possível haver alguma forma de tutela governamental, por exemplo nos planos financeiro e patrimonial, e poderes disciplinares do Governo sobre os administradores das entidades reguladoras.       
Outra das particularidades tem a ver com o fenómeno da europeização, que possui duas vertentes: a influência determinante do Direito Comunitário nos regimes jurídicos dos Estados-membros e a estruturação de um sistema administrativo europeu, que conjuga níveis de administração comunitária e nacional. Este fenómeno consiste, pois, na aproximação dos regimes nacionais de regulação, o que é compreensível, pois estes regimes são o fruto de processos de transposição de diretivas comunitárias. É por esta influência que os principais setores instituíram autoridades administrativas mais ou menos desgovernamentalizadas. Ainda neste âmbito, podemos falar de um certo federalismo administrativo, tendo em conta a transformação de estruturas nacionais em administrações desconcentradas da União Europeia e a instituição de sistemas que atribuem uma supremacia funcional à Comissão Europeia desenhando um sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos).
            O Direito Administrativo da Regulação também se caracteriza pela retração do Princípio da Legalidade Administrativa. O Princípio da Legalidade Administrativa encontra-se formulado no artigo 266.º/2CRP e, de tal decorre que a Administração Pública tem de prosseguir o interesse público em obediência à lei; contudo, a doutrina mais recente tem exprimido o Princípio da Legalidade da seguinte forma: “os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos.” A doutrina prefere esta definição por três razões. Em primeiro lugar porque nesta diz-se aquilo que a Administração pública pode fazer e não já aquilo que ela está proibida de fazer, em segundo, porque esta definição cobre todos os aspetos da atividade administrativa e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares e, por último, porque a lei não é apenas um limite formal à lei, mas também o fundamento da ação administrativa.
Este princípio está a ser substituído por um Princípio de Autonomia Funcional da Administração, isto, porque surgiu a ideia de uma administração de resultados e consequentemente na ideia de que os critérios fundamentais para aferir do bom funcionamento da atividade administrativa se reconduzem à eficácia e à eficiência e não já tanto ao cumprimento pontual e estrito das prescrições legislativas. Tendo em conta as tendências verificáveis, é possível imaginar que no futuro a lei se vai limitar a definir os objetivos públicos e os resultados a atingir, dando à Administração Pública uma vasta liberdade de escolha das medidas que se mostrem adequadas para a produção dos efeitos desejados. Uma das consequências disto, será a destipicização dos atos administrativos. Ademais, esta retração legislativa (diminuição da densidade da lei e abertura à destipicização dos atos administrativos), expressa-se também através de fenómenos de deslegalização e autocontenção legislativa, que pressupõem um reforço da importância do regulamento administrativo.
Há agora que fazer uma pequena distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo. A primeira figura, de acordo com a definição doutrinária, é o “ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” [Amaral (2011): pp. 238-239]. Já os regulamentos administrativos são “as normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei” [Amaral (2011): pp. 177-179]. Note-se, então, que os regulamentos são o nível inferior do ordenamento jurídico administrativo, sendo que os níveis superiores são ocupados por normas e princípios de Direito Internacional e de Direito Comunitário, pelas normas e princípios constitucionais e pela lei ordinária. Sendo assim, os regulamentos são uma fonte secundária do Direito Administrativo. Para que se possa distinguir entre estas duas figuras há que olhar à distinção entre norma jurídica e ato jurídico, pois, se é verdade que ambos são emitidos no exercício de um poder público de autoridade, o regulamento, sendo uma norma jurídica, é uma regra geral e abstrata, ao passo que o ato jurídico é uma decisão individual e concreta.
            Quanto ao reforço da importância do regulamento administrativo, como já referido, a retração do Princípio da Legalidade Administrativa caracteriza-se pela autocontenção do legislador e pela devolução às entidades reguladoras de significativos poderes de regulamentação normativa. Tratam-se de regulamentos independentes, ou seja, regulamentos emitidos com base numa lei que se limita a indicar a entidade competente para a respetiva emissão (competência subjetiva) e a matéria a regular (competência objetiva). O Professor Pedro Costa Gonçalves, afirma que este é um exercício de Power to make the laws, em que se tem presente a ideia de ligação meramente formal à lei. Pode então dizer-se que o regulamento independente concorre com a legislação, acabando por ser um regulamento apenas de um ponto de vista formal. Assim, podemos dizer que esses são uma espécie de leis administrativas editadas por entidades da Administração no desempenho de um poder legislativo ou de uma função legislativa.
Contudo, surgem aqui alguns problemas, pois pode acontecer o caso de haver uma intrusão regulamentar em zonas de reserva de lei à Assembleia da República (ver artigos 161.º, 164.º e 165.º CRP). Desta forma, e apesar de se perceber o porquê da necessidade de um reforço dos regulamentos, é imperativo levar em conta a ordem constitucional das fontes de Direito, nomeadamente, a submissão dos regulamentos à lei.
            Quanto à destipicização dos atos administrativos, a doutrina tradicional ensina-nos que os atos têm de ser sempre típicos, isto é, têm de encontrar sempre uma correspondência numa figura reconhecida e regulada pelo Direito, logo, há-de ser sempre numa lei que a Administração terá de encontrar o conteúdo dos seus atos administrativos.
            Segundo o Princípio da Separação de Poderes cabe ao legislador definir os interesses públicos a prosseguir pela administração. Contudo, essa é uma consequência particular, pois essa exigência só se verifica no cenário da atuação da autoridade. Desta forma, podemos dizer que há uma confusão, na esfera da administração autoritária, entre o princípio da legalidade e o princípio da tipicidade, pois nesta situação entende-se que a ação administrativa investida de autoridade não deve apenas basear-se na lei, mas também perceber todo o contexto à sua volta. Assim, as leis de direito administrativo da regulação apresentam desvios à tipicidade, pois autorizam as entidades reguladoras a praticarem atos administrativos atípicos, por virtude da entrega de poder administrativo pela lei à Administração Pública.  
            Uma outra nota tem a ver com a autoridade e consenso. O Direito Administrativo da Regulação tem traços muito claros de autoridade, com entrega às entidades reguladoras de grandes poderes. A regulação administrativa utiliza ainda o consenso e o modelo negocial, até mesmo em zonas de intervenção autoritária, em que a lei permite às entidades mais maleabilidade.
Nova particularidade debruça-se sobre os poderes administrativos novos. Às entidades reguladoras foram atribuídos poderes de resolução de litígios, que se manifestam através de atos administrativos de resolução de litígios. Ainda que estes atos possam gerar benefícios para interesses privados, a verdade é que estes visam a prossecução do interesse público.
            Outra característica prende-se com os poderes administrativos mais fortes e mais eficazes. Limitando a nossa análise a poderes concretos das entidades reguladoras sobre os regulados, relevam os poderes de supervisão e os de punição em caso de infrações. Para dar efetividade a estes poderes de inspeção, as leis dão às entidades reguladoras competência para sancionarem o não acatamento das obrigações impostas; daí a possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias pelas entidades reguladoras.
            A sétima particularidade incide sobre a exigência acrescida de coordenação administrativa. Aqui não há muito que dizer a não ser o que é óbvio: todos estes Direitos Administrativos reguladores, ou seja, esta fragmentação sectorial, origina a necessidade de uma muito maior coordenação inter-administrativa.
            Por fim, temos o contencioso administrativo da regulação. Existem duas regras gerais no controlo jurisdicional da atividade de regulação: o facto de o contencioso regulatório em sentido estrito se encontrar remetido para os Tribunais da jurisdição administrativa, seguindo aí os termos gerais e o facto de que o contencioso ilícito de mera ordenação social vai para os Tribunais judiciais.

Bibliografia   
- Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra (2011); [AMARAL (2011)].
-  Gonçalves, Pedro Costa, Direito Administrativo da Regulação, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Coimbra Editora, Coimbra (2006); [Gonçalves (2006)].
- Moreira, Vital, Auto-regulação Profissional e Administração Pública, 1ª edição, Almedina, Coimbra (1997) [MOREIRA (1997)].




A Administração directa

1. Grupos de entidades que compõem a Administração Pública
     Na perspectiva da Administração em sentido orgânico (i.e., reportando-se à sua organização), podem autonomizar-se três grandes grupos de entidades:
-administração directa do Estado (Lei nº 4/2004, de 15 de Janeiro): as suas entidades estão hierarquicamente subordinadas ao Governo, que exerce sobre elas um poder de direcção;
-administração indirecta do Estado (Lei nº 3/2004 de 15 de Janeiro): sujeitas à superintendência e tutela do Governo, que exerce sobre elas poderes de orientação, de fiscalização e de controlo;
-administração autónoma: estão apenas sujeitas à tutela do Governo, que exerce sobre elas poderes de fiscalização e controlo.

   Disto resulta que a relação que estes grandes grupos estabelecem com o Governo, na sua qualidade constitucional de órgão supremo da Administração Pública, é diferente e progressivamente mais ténue.

2. A Administração Directa
2.1 Administração directa central e administração directa periférica/local
     A administração directa do Estado desdobra-se, em função do factor territorial, em administração directa central e em administração directa periférica ou local:
-a primeira, integra os órgãos e serviços do Estado que exercem competência extensiva a todo o território nacional;
-a segunda, representa o conjunto de órgãos e serviços da pessoa colectiva Estado que dispõem de competência limitada a uma área territorial (que se designam de circunscrições administrativas),

     Em ambos os casos, estas entidades funcionam sob a direcção e dependência hierárquica do Governo.

2.2 Características do Estado-administração e da sua administração directa
     Segundo o professor Freitas do Amaral, o Estado (em sentido estrito) e a sua administração directa contêm as seguintes características:
a) Unicidade: O Estado é a única espécie do seu género (enquanto que ao conceito de autarquia local correspondem alguns milhares de entes autárquicos);
b) Carácter originário: ou seja, tem natureza originária, não sendo criado pelo poder constituído (ao contrário de todas as outras pessoas colectivas públicas que são sempre criadas ou reconhecidas por lei ou nos termos da lei);
c) Territorialidade: o Estado é uma pessoa colectiva de cuja natureza faz parte um certo território, o território nacional. Todas as parcelas territoriais, mesmo que afectas a outras entidades (como regiões, autarquias locais) estão sujeitas ao poder do Estado;
d) Multiplicidade de atribuições: o Estado é uma pessoa colectiva de fins múltiplos;
e) Pluralismo de órgãos e serviços: é composto por numerosos órgãos (Governo, membros do Governo individualmente considerados, directores-gerais, directores de finanças, etc.) e por uma pluralidade de serviços públicos (ministérios, secretarias de Estado, direcções-gerais, governos civis, repartições de finanças, etc);
f) Organização em ministérios: os órgãos e serviços do Estado-administração, a nível central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, que se denominam ministérios;
g) Personalidade jurídica una: apesar da multiplicidade de atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não tendo personalidades jurídicas distintas. Cada órgão do Estado vincula o Estado no seu todo;
h) Instrumentalidade: a Administração do Estado é subordinada, não sendo, salvo casos excepcionais, nem independente nem autónoma. Esta constitui um instrumento para o desempenho dos fins do Estado. A isto se deve a submissão e subordinação pela Constituição da administração directa do Estado ao poder de Direcção do Governo (explicando-se, assim, o dever de obediência dos funcionários em relação aos governantes e a livre amovibilidade dos alto funcionários do Estado, por mera decisão discricionária do Governo);
i) Estrutura hierárquica: a administração directa do Estado está estruturada em termos hierárquicos, i.e., de acordo com um modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgão e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e ao subalterno o dever de obediência (se assim não fosse, a administração Estado deixava de ser subordinada e passava a ser autónoma e independente, e nesse caso o Governo não responderia politicamente por ela perante a AR);
j) Supremacia: O Estado-administração exerce poderes de supremacia não apenas em relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre as outras entidades públicas. Por essa razão, o Estado-administração é chamado de ente público máximo, enquanto que as demais pessoas colectivas públicas são designadas por por entes públicos menores, ou subordinados.

2.3 Órgãos da administração directa central:
     O principal órgão permanente e directo do Estado, com carácter administrativo, é o Governo: o artigo 182º da CRP declara que “o Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública”.
     São, portanto, estas as duas funções essenciais do Governo: enquanto órgão político, cabe-lhe a condução da política geral do país; como órgão administrativo, trata-se do órgão superior da administração pública portuguesa.
     Por sua vez, esta competência administrativa é desenvolvida no art. 199º da CRP, do qual decorrem as três funções administrativas do Governo:
a) Garantir a execução das leis (alíneas f) e c) do art. 199º);
b) Assegurar o funcionamento da Administração Pública (alíneas a), b), d) e e) do mesmo artigo);
c) Promover a satisfação das necessidades colectivas (alínea g) do art. 199º).

     Pelas tarefas que estão cometidas ao Governo, pelo que lhe compete fazer por si próprio ou mandar fazer a outros, por ser o órgão superior das hierarquias da administração do Estado, e ainda por lhe caber fiscalizar ou orientar as demais entidades públicas que, para além do Estado, fazem parte da Administração, o Governo é o principal órgão da Administração Pública.

     Na administração central directa, são também órgãos do Estado, colocados sob a direcção do Governo:
a) Os directores-gerais, directores de serviços e chefes de divisão ou de repartição dos ministérios, bem como os respectivos secretários-gerais;
b) O chefe do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea;
c) O Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, bem como os directores da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública, do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e de outros organismos de natureza análoga;
d) O Procurador-Geral da República (art. 220º da CRP) e seus adjuntos;
e) Os inspectores-gerais e seus adjuntos;
f) Os dirigentes de gabinetes, centros e institutos não personalizados, incluídos na administração central do Estado;
g) As numerosas comissões existentes, com carácter permanente ou temporário, quer em cada um dos ministérios per si, quer abrangendo dois ou mais ministérios para fins de coordenação (comissões interministeriais).

     Pertencem ainda à administração central directa, e são portanto órgãos do Estado, embora sem dependerem do Governo por serem órgãos independentes:
a) O Provedor de Justiça (art. 23º da CRP);
b) O Conselho Económico e Social (art. 92º da CRP);
c) A Comissão Nacional de Eleições (lei nº 71/78, de 27 de dezembro);
d) A Entidade Reguladora da Comunicação Social (lei nº 53/2005, de 8 de Novembro);
e) Outros órgãos de natureza análoga.

2.4 Órgãos da administração directa local
     Como foi anteriormente referido, a administração local é o conjunto de órgãos e serviços do Estado que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita e funcionam sob a direcção dos correspondentes órgãos centrais.
     Os órgãos locais do Estado caracterizam-se por três elementos essenciais:
-são órgãos, isto é, podem por lei tomar decisões em nome do Estado, vinculando-o na sua qualidade de pessoa colectiva pública, face a outras entidades públicas e aos particulares em geral. Não são meros agentes sem competência própria (podem praticar actos administrativos);
-são órgãos do Estado, e não órgãos autárquicos. Não pertencem à administração local autárquica, mas antes à administração local do Estado. Por isso mesmo, estão integrados numa cadeia de subordinações hierárquicas em cujo topo se encontra o Governo (devem obediência às suas ordens e instruções);
-têm uma competência meramente local, isto é, delimitada em razão do território. Só podem actuar dentro da circunscrição administrativa a que a sua competência respeita.

     Para efeitos de administração geral, existe a divisão em distritos e conselhos; para efeitos de administração especial, existem outras divisões (p.ex., para efeitos de administração hidráulica, a base não é a do critério distrital ou concelhio, mas sim da divisão em bacias hidrográficas dos rios, ou seja, divisões hidráulicas).

     Existem numerosos órgãos locais do Estado: à frente de cada comando da PSP (metropolitano, regional ou distrital) encontra-se o respectivo comandante; as direcções distritais de finanças são chefiadas pelos directores de finanças; as repartições, pelos chefes das repartições de finanças; os serviços de saúde, pelos delegados de saúde e subdelegados de saúde; etc.
     A tendência é no sentido do aumento constante do número destes órgãos locais do Estado, criados e robustecidos num propósito de desconcentração de poderes.
     O Governador Civil é o principal órgão da administração local do Estado: é o magistrado administrativo que representa o Governo e exerce os poderes de tutela na circunscrição distrital. As suas funções estão definidas no artigo 291º/3 da CRP. Contudo, este órgão encontra-se hoje extincto (de facto, mas não de iure, pois continua previsto na Constituição, como vimos).

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2016

Bruno Silva, subturma 10, nº 57244

sábado, 28 de outubro de 2017

A Estrutura do Governo


A Administração Pública consiste num conjunto de instituições, organismos e entidades pertencentes ao Estado, com o propósito de assegurar os interesses públicos e as necessidades colectivas, ao promover as condições essenciais para desenvolver os ideais de justiça, segurança e bem-estar. Dentro destes órgãos, dever-se-á destacar o Governo, que possui a função fundamental de supervisionar os diferentes institutos públicos, com o intuito de garantir que estes cumpram a lei e intervenham quando é necessário que tal aconteça.

O Governo é constituído por várias entidades institucionais, as quais o artigo 183º da Constituição da República Portuguesa faz questão de assinalar. Contudo, importa esclarecer que, de um ponto de vista jurídico, não existe hierarquia entre os membros do Governo. Por exemplo, se o Primeiro-Ministro não estiver satisfeito com o exercício de um Ministro poderá despedi-lo, mas nunca dar-lhe ordens, pois quando um órgão possui uma competência ele é responsável pela mesma, e ambos são membros de uma pessoa colectiva denominada Governo.

O Primeiro-Ministro

Segundo o Professor Diogo Freitas Amaral, e o art. 201º, nº1 da Constituição, o Primeiro-Ministro possui dois tipos de funções. Por um lado, exerce funções de chefia, que consistem em orientar e coordenar a conduta que deverá ser seguida pelos Ministros; presidir ao Conselho de Ministros, direccionando os seus trabalhos e convocando as suas reuniões; e seleccionar Ministros para a composição do Governo. Por outro lado, está encarregado do exercício das funções de gestão, isto é, gerir serviços próprios da Presidência do Conselho e orientar as secretarias de Estado integradas na mesma. O Primeiro-Ministro deverá também representar o Estado, perante citação do Governo português em tribunais estrangeiros.

Os Vice-Primeiro-Ministros 

Conforme o disposto nos artigos 183º, nº2 e 185º da Constituição, poderá existir mais do que um Vice-Primeiro-Ministro, e este deverá auxiliar o Primeiro-Ministro a desempenhar as suas funções, podendo substituí-lo em caso de ausência ou impedimento. Acrescenta-se que, tal como o Primeiro-Ministro, também o Vice-Primeiro-Ministro poderá coordenar os Ministros entre si.

Os Ministros 

Cada um dos Ministros possui a seu cargo um ministério, ou seja, um departamento que reúne subdepartamentos encarregados de uma determinada função. Relativamente a este, o Ministro define os planos de acção, prepara o seu orçamento anual; nomeia, transfere e exonera todos os funcionários a seu cargo, excepto quando pertença à competência exclusiva do Conselho de Ministros; exerce poderes tutelares sobre pessoas colectivas autónomas dependentes ou fiscalizadas pelo seu ministério; assina contractos celebrados com particulares, em nome do Estado, quando estes versem sobre matéria das suas atribuições; e resolve quaisquer casos concretos que a lei atribua a serviços pertencentes ao seu departamento por surgirem no seu âmbito (art. 201º, nº2 CRP). Esta última competência poderá ser apontada como uma das razões pela qual existe uma burocracia tão lenta em Portugal, considerando que poderão ser admitidos os casos mais banais, desde que versem sobre a matéria do Ministério.

A regra geral é a igualdade entre Ministros. No entanto, existem algumas excepções, como por exemplo, o caso do Ministro das Finanças que, estando encarregado da elaboração e execução do Orçamento de Estado, controla os gastos e a quantidade de capital atribuída aos restantes ministérios.

Os Secretários de Estado

A sua inclusão deu-se primeira vez em 1958, visto que, após a 2ª Grande Guerra Mundial, observou-se a uma tendência cada vez maior de concentrar no Governo o poder de decisão dos assuntos correntes da Administração Pública, tornando o trabalho dos Ministros e o auxílio dos subsecretários de Estado insuficientes. Deste modo, determinou-se que os serviços de um Ministério poderiam ser agregados em Secretarias de Estado (este termo foi extinto com a Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro mas continua a ser utilizada informalmente), que seriam geridas por Secretários de Estado. Actualmente, estes poderão substituir os Ministros em caso de ausência ou impedimento (art. 185º, nº2 da CRP) e possuem competência administrativa própria, não obstante a orientação e supremacia dos ministros, pois um Secretário de Estado nunca poderá revogar, modificar ou suspender qualquer acto de um Ministro.

Os Subsecretários de Estado

São os membros do Governo com menor poder executivo. Ao contrário dos Ministros e dos Secretários de Estado, os Subsecretários de Estado não praticam funções políticas e legislativas e não possuem competência própria. Deste modo, todos os poderes exercidos pelos mesmos são delegados por Ministros e Secretários de Estado, podendo estes últimos ser substituídos por Subsecretários de Estado.  

O Conselho de Ministros

De acordo com o disposto no artigo 1º do Regimento do Conselho de Ministros, este é composto e presidido por todos os Ministros nomeados e pelo Primeiro-Ministro. Salvo determinação em contrário por parte do Primeiro- Ministro, poderão participar nas reuniões do Conselho de Ministros, sem direito de voto, o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O artigo 200º da Constituição da República Portuguesa, por sua vez, determina nas suas alíneas o que compete ao Conselho de Ministros: definir as linhas gerais da política orçamental, bem como as da sua execução; aprovar os planos e os actos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou despesas públicas; e deliberar sobre outros assuntos da competência do Governo que lhe sejam atribuídos por lei ou apresentados pelo Primeiro-Ministro ou qualquer Ministro. Este último ponto, pertencente à alínea g), coloca a questão de saber se permite que o Conselho de Ministros possa decidir e resolver problemas sobre qualquer matéria da competência do Primeiro-Ministro ou de um Ministro, pelos mesmos propostas. Segundo o Professor Freitas Amaral, seria uma desobediência aos princípios gerais sobre a competência dos órgãos administrativos, pois esta não depende da vontade dos órgãos. Desta forma, o Conselho de Ministros poderá deliberar sobre a matéria, mas somente para aconselhar e orientar o Primeiro-Ministro ou o Ministro sobre a decisão.

Acrescentam-se às funções do Conselho de Ministros a gestão da função pública, a concessão de benefícios fiscais, a aplicação de sanções administrativas graves, entre outras. Todavia, e, com o intuito de impedir a sobrecarga de trabalho, tem sido permitido ao Primeiro-Ministro, aos Conselhos de Ministros Especializados e a certos Ministros exercer funções administrativas do Conselho de Ministros, através da lei,ou até mesmo, de delegações.

Os Conselhos de Ministros Especializados

O artigo 200º , nº 2 reconhece a existência dos Conselhos de Ministros Especializados, declarando que «(...) exercem a competência que lhes for atribuída por lei ou delegada pelo Conselho de Ministros». A competência referida poderá ser a preparação das decisões que serão tomadas pelo Conselho de Ministros (função preparatória), a tomada de decisões em nome do Conselho de Ministros quando este ou a lei o tenha autorizado (função decisória), e o estudo ou controlo da execução das decisões do Conselho de Ministros (função executiva). Estes órgãos auxiliares são compostos por alguns dos Ministros, secretários de Estado e, por vezes, até mesmo altos funcionários.  


Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do. Curso De Direito Administrativo. 4ª ed., vol. 1, Almedina, 2016.

RAMOS, Joaquim. Português Institucional e Comunitário, Universidade Carlos IV, Praga, 2010

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Lições De Direito Administrativo. 2ª ed., Imprensa Da Universidade De Coimbra, 2011.

CAETANO, Marcello; AMARAL, Diogo Freitas do. Manual De Direito Administrativo. 9ª ed., Tomo I, Livraria Almedina, 1970.

AA.VV. O Governo Da Administração Pública. Edições Almedina SA, 2013.


Carolina Fernandes Duarte, Subturma 10, Nº 57006

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