sábado, 26 de maio de 2018

Âmbito da figura do contrato administrativo


O Professor Freitas do Amaral refere que a importância do contrato administrativo decorre do seu âmbito de aplicação, ou seja, da determinação dos tipos contratuais legalmente admissíveis e das condições em que a Administração, para prosseguir as suas atribuições, pode recorrer à via contratual.
            Importa frisar então que, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, um contrato administrativo é efetivamente um contrato celebrado por um contraente público, que poderá ser a Administração Pública tradicional ou algum ente privado, ao qual tenham sido delegados e concebidos o exercício de funções materialmente administrativas, para a prossecução dessas atribuições, carecendo de utilizar o instrumento típico de Direito Administrativo.
            Deste modo, a Administração admite a possibilidade de utilização da figura do contrato genericamente, até como alternativa à prática de atos administrativos ou à celebração de contratos de direito privado (artigo 278.º do CCP e artigo 200.º, número 3 do CPA).
            Sendo um modo de exercício da função administrativa, o contrato administrativo – traçado pelo Direito Administrativo – acaba por ser caracterizado como um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
            Relativamente aos critérios de classificação, é relevante ver o artigo 1.º, número 6 do CCP que afirma essencialmente que são administrativos os contratos que como tal sejam classificados por lei (por expressa determinação legal). Para além desta determinação legal, os contratos podem ser administrativos nos casos em que é relevante a vontade das partes, isto é, quando as partes decidem submetê-los a um regime substantivo e de direito público, ou inserindo cláusulas diretamente no contrato, ou remetendo para o regime substantivo dos contratos administrativos, previsto no Código dos Contratos Públicos – alínea a).
            Por exemplo, sempre que as partes insiram cláusulas em que se preveja a titularidade do poder de modificação unilateral do contrato, por razões de interesse público ou a resolução, ou seja, a extinção do contrato por meras razões de interesse público estaremos indiretamente perante a imposição da sua submissão a um regime administrativo, logo estaremos perante contratos administrativos.
            A alínea b) do mesmo artigo refere que são também contratos administrativos os que tenham por objeto o exercício de poderes públicos, ou seja, enquanto os anteriormente falados são os típicos contratos administrativos de matriz francesa, – como refere o Professor Vasco Pereira da Silva – os outros são os contratos de direito público, existentes no direito alemão. Isto porque no direito alemão, os contratos mencionados na alínea a) são considerados contratos de direito privado, logo, seriam regidos pelo Código Civil (entendem-se aqui os contratos de empreitadas, de obras públicas, de prestação de serviços, de aquisição de bens). Deste modo, a Doutrina Alemã criou uma figura diferente onde está em causa a submissão a um regime substantivo de Direito administrativo, na medida em que estes serão os contratos onde se pretende substituir a prática de um ato. Efetivamente, serão contratos que aparecem como alternativa em substituição da prática de atos ou de regulamentos, ou de atos no procedimento, destinados à aprovação de um ato ou de um regulamento administrativo.
            Nos termos da alínea c), serão contratos administrativos aqueles que tenham por objeto coisas públicas, isto é, bens de domínio público, e aquele que tenham por objeto o exercício de funções públicas.
            A alínea d) afirma que são ainda contratos públicos os contratos que a lei submeta a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
            Em suma, a alínea a) do artigo mencionado refere que são contratos administrativos aqueles que como tal sejam qualificados por força da lei ou da vontade das partes. Poderão ainda caber nesta categoria aqueles que forem submetidos a um regime substantivo de direito público. Por outro lado, as alíneas b) e c) referem-se a contratos com objeto passível de ato administrativo e aos contratos sobre o exercício de poderes públicos. Trata-se de uma consequência do alargamento do âmbito da utilização do contrato administrativo (artigo 278.º do CCP). Finalmente, a alínea d) leva o Professor Freitas do Amaral a concluir que haverá contratos públicos que não serão contratos administrativos, em virtude de não se verificar a condição prevista na segunda parte da alínea.
            O legislador português decidiu preservar a realidade a que corresponde o conceito de contrato administrativo, na medida em que aumentou bastante a sua regulação face a diplomas anteriores e não seguiu a corrente doutrinária que defendia o fim da autonomia do contrato administrativo, face ao conceito de contrato público.
            Importa ainda referir que o contrato administrativo ainda é uma opção alternativa na nossa ordem jurídica. Assim, o artigo 278.º do CCP confere à Administração uma habilitação genérica para, em vista da prossecução das suas atribuições, recorrer à via contratual, sendo os únicos limites a lei e a natureza das relações a estabelecer. De facto, se não existir nenhuma disposição legal que proíba expressa ou implicitamente o recurso à figura do contrato administrativo e se a natureza da relação a estabelecer for compatível com tal forma de atuação, a Administração pode, em princípio, utilizar o contrato em alternativa ao ato administrativo para constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas administrativas. Tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, a atualmente a Administração Pública “tem um pronto-a-vestir de formas de atuação administrativa”.

BIBLIOGRAFIA:
- Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3º edição, 2016, Almedina
- Aulas Teóricas de Direito Administrativo, do Professor Vasco Pereira da Silva
Diva Gonçalves, n.º 57108

O princípio da colaboração/ participação dos particulares nas tarefas de Direito Administrativo

Durante o Estado liberal, não existia praticamente qualquer colaboração entre a Administração e os particulares. Porém, dando um salto na evolução do Direito Administrativo, pode-se verificar que a versão de 91 do CPA consagrou o princípio da colaboração dos particulares autonomamente, pelo que a AP começou a ser obrigada a consultar o particular antes de tomar qualquer decisão, tendo de ponderar tanto interesses públicos, como privados.
Atualmente, o Direito Administrativo e o artg.12 do CPA assumem sem qualquer dúvida que, a melhor prossecução das tarefas assumidas pela Administração do Estado impõe a colaboração permanente desta com os particulares.
Neste âmbito, o princípio da participação dos interessados corresponde a uma exigência do procedimento regulamentar e também dos atos administrativos que pode ser efetuado em termos individuais ou coletivos por parte dos interessados na formação das decisões e que pode ter como sujeito ativo, associações representativas de tais interesses como pode, de resto, ser observado no artg.68 nº2 e 3 do CPA, em matéria de legitimidade procedimental para a defesa de interesses difusos.
Esta participação é vista por um lado, como um mecanismo de colaboração que pode ser expressado por iniciativas, sugestões e informações dos particulares.
Por outro lado, pode ser também visto como ónus do interessado, ao nível da prova durante a fase de instrução.
Na perspetiva do prof. Regente, a colaboração é perspetivada em dois sentidos.
Na perspetiva da colaboração dos particulares para com a administração, os quais implicam direitos e deveres dos particulares, tais como, deveres de audiência.
Na perspetiva da colaboração da Administração para com os particulares no intuito de auscultar as opiniões dos particulares no exercício da sua função administrativa. 
Esta participação configura-se como um direito do contraditório envolvendo a audiência prévia (momento fundamental e obrigatório em qualquer procedimento administrativo) e a consulta pública.
É ainda visto como um princípio que assume a natureza de princípio geral do agir administrativo, sujeitando-se a um dupla dever:
O dever de colaborar no sentido de garantir uma participação efetiva dos interessados
O dever de audiência prévia na medida em que envolve a obrigação de ponderar os interesses e os factos invocados pelos interessados para o procedimento.
Este último dever, isto é, a audiência dos interessados, é considerada uma concretização de um direito fundamental do artg.267/5 CRP, pois impõe ao legislador ordinário que aprove uma lei com base no procedimento administrativo, que regule o modo de agir da administração pública e garanta a participação dos interessados.
Nos casos em que no procedimento não se tenha realizado audiência prévia consagra-se como consequência um desvalor jurídico.

Bibliografia:
ü  Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Vol.II, 3º edição, 2016, almedina
ü  Otero Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, vol.I, 2016, Almedina
ü  -Silva, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1998


Maria Carolina Borges nº 57395 

Evolução da Atividade Contratual no seio da Administração Pública


Inicialmente, na doutrina Alemã e Italiana vigorou a tese da inaceitabilidade dos contratos de direito público. Esta tinha como fundamento o facto de o poder administrativo enquanto poder soberano não poder ser exercido de forma pactuada, podendo apenas ser exercido de forma unilateral e impositivo.

Nos finais do século XIX e no início do século XX, surgiram os Contratos Públicos. Este surgimento deu-se pela necessidade do Estado de assegurar um elevado número de serviços, combinado com uma escassez de capitais e com a ideal não intervenção do Estado na atividade económica.

A figura dos Contratos Administrativos, e sua correspondente divergência face aos Contratos Públicos, é de matriz francesa, tendo surgido em França, por volta de 1870, na legislação do contencioso administrativo, com origem processual.

Numa primeira fase, os Contratos da Administração eram idênticos aos contratos celebrados entre privados. Em caso de conflito entre os dois, quem teria prevalência seria a jurisdição administrativa.

Numa segunda fase, a ideia de poderes e prerrogativas de autoridade foram transferidas para o Contrato Administrativo, tendo nesta fase, também sido teorizado o Contrato Administrativo com alcance substantivo, em oposto ao anterior alcance somente processual. Estes Contratos ficaram sujeitos a um regime completamente distinto daquele aplicado aos Contratos entre particulares.

Com o final da 2ª Guerra Mundial, verificou-se o apogeu da atividade Contratual Administrativa, tendo-se verificado a utilização desta por toda a Europa.
Este fenómeno deu-se maioritariamente devido a figura francesa do Contrato Administrativo, mas também, pela figura do Contrato Público, que passou a admitir a contratualização do exercício de poderes de autoridade pela Administração.

No final do século XX, o Direito Administrativo, começou a “ocupar-se” de zonas de regulação que, anteriormente, competiam ao Direito Privado Contratual, p que levou a uma aproximação entre o Direito Administrativo e os Contratos de administração do domínio do Direito Privado.

Potenciada por esta aproximação, surgiu a questão da possibilidade de dissolução dos conceitos de Contratos Administrativos e de Contratos de Direito Privado de Administração, criando-se uma categoria mais ampla, onde estas figuras se juntassem, denominada “Contratos Públicos”.

A União Europeia ajudou com esta realidade, através da aprovação de diretivas nos anos 70 que impõem que certos contratos, tal como o de empreitada, quando celebrados pela Administração Pública, ou por entidades de alguma forma ligadas à Administração Pública, devem ser submetidos a procedimentos de formação concorrenciais, abertos a empresas de todos os Estados-Membros da União Europeia. Assim, criou o conceito de Contrato Público, que é indiferente às categorias nacionais.

Portugal tinha, posteriormente, aceitado o Contrato Administrativo como uma realidade distinta do Contrato de Direito Privado.

Todavia, Portugal, não foi indiferente ao movimento unificador destas duas figuras, tendo-se isto manifestado na primeira legislação especial quanto à atividade administrativa e, depois, na legislação do contencioso.

Recentemente, embora se insista na distinção entre Contratos Administrativos e os outros Contratos Públicos, o CCP alargou a figura do Contrato Administrativo, da forma como antes era aceite, tendo contribuindo para o esbatimento da distinção.

O regresso a esta dualidade pode até mesmo ser verificado no art.200/1 do CPA, onde se demonstra uma clara separação entre Contratos Administrativos submetidos ao Direito Administrativo, e os Contratos Administrativos submetidos ao Direito Privado.

No entanto, a doutrina divide-se quando a essa separação:

Enquanto que o Professor Freitas do Amaral e a Professora Ana Gouveia defendem a manutenção da distinção, isto é, defendem que associar todos os diferentes tipos de contratos numa categoria única, causa a perda da autonomia substantiva dos Contratos de Direito Administrativo, uma vez que aos Contratos Públicos não se aplica o regime substantivo dos Contratos Administrativos.

O Regente e a Professora Maria João Estorninho, entendem que não faz sentido distinguir Contratos Administrativos de Contratos Privados de Administração, preferindo a designação de todos estes como Contratos Públicos.


Bibliografia:
-Apontamentos das Aulas dos Professor Vasco Pereira da Silva;

- DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013.

- MARIA JOÃO ESTORNINHO, «A Fuga para o Direito Privado» (2º reimp.), Almedina, Coimbra, 2009.

- MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Direito Administrativo Geral», D. Quixote, Lisboa - tomo III - «Atividade Administrativa», 2ª edição, 2009



Maria Beatriz Ribeiro, nº57335

Evolução histórica da Responsabilidade Administrativa


1ª fase: Durante muito tempo, o Estado era irresponsável, i.e., não tinha a obrigação de indemnizar os prejuízos que da sua ação resultassem para os particulares. Era o Sistema (A).
Mas é preciso reconhecer que, na prática, o rigor destes princípios se atenuava bastante. Pois, por um lado, eram consideráveis as exceções abertas em detrimento da regra geral: as autarquias locais respondiam pelos danos causados; o Estado respondia pela maior parte das suas atividades privadas, como a execução de obras públicas, podiam responsabilizar o Estado em virtude do disposto em leis especiais. Eram, em casos especiais, o Sistema (B).
Por outro lado, o facto de o Estado ser ainda abstencionista limitava grandemente as oportunidades em que a sua ação podia ser geradora de danos para os particulares.
De qualquer modo, o Estado era em regra irresponsável. Consequentemente, a Administração também não podia ser responsabilizada, direta ou indiretamente, pelos danos causados em consequência da execução das leis.
Vigorava um regime de responsabilidade exclusiva e pessoal do funcionário; a Administração nem sequer respondia indiretamente.
A doutrina e a jurisprudência, contudo, interpretaram os preceitos no sentido de que os atos de gestão privada praticados sob a égide do direito civil responsabilizam o Estado, à semelhança do que acontecia com as demais pessoas coletivas ou “pessoas morais”. Continuava a vigorar o Sistema (B).
A CRP de 1911 não se ocupou do tema.
2ª fase: já no segundo quartel do século XX, algumas decisões jurisprudenciais principiaram a admitir a responsabilidade do Estado por “atos de império”.
A revisão do CC de 1930 consagrou a responsabilidade solidária do Estado com os seus agentes por atos ilícitos praticados por estes no exercício das suas funções. Por força do Decreto n.º 19126, de 16 de dezembro de 1930, o art. 2399º CC de Seabra foi acrescentado na sua parte final. Foi o início do Sistema (C), sob a modalidade (C.2), que aliás não excluiu o Sistema (B) para as atuações do Estado na égide do direito privado.
Pouco depois, no Código Administrativo de 1936-40, chegou mesmo a estabelecer-se, em certos casos, a responsabilidade exclusiva das autarquias locais: respondiam civilmente pelas perdas e danos resultantes das deliberações dos respetivos corpos administrativo com ofensa da lei, mas dentro das respetivas atribuições e competência, com observância das formalidades essenciais e para a realização dos fins legais. Era o Sistema (C.1) a despontar. Só os atos feridos de incompetência, excesso de poder ou preterição de formalidades essenciais é que continuaram a implicar a responsabilidade pessoal do agente.
Assim, a partir dos anos trinta do século passado, a legislação ordinária portuguesa admitiu a responsabilidade civil da Administração por atos ilícitos e culposos, estabelecendo uma presunção de culpa funcional nos casos em que a ilicitude proviesse de mera preterição de formalidades ou de simples violação de lei.
O Estado passa a dar cobertura ao bom funcionário que se engana, mas não ajuda o mau funcionário que comete faltas graves, nem o péssimo, que se serve da função para prejudicar um ou mais particulares.
Quanto à então chamada “responsabilidade administrativa”, sustentou a doutrina, até meados daquele século, que tal responsabilidade só existia nos casos expressamente enumerados em lei especial. Mas por volta de 1950 começou a entender-se que, pelo menos quanto à responsabilidade por atos lícitos, havia um princípio geral que impunha à Administração o dever de indemnizar, fora das hipóteses previstas nas leis.
Do ponto de vista processual, era uma situação paradoxal: as ações para efetivação da responsabilidade civil da Administração eram propostas em tribunais administrativos, mas a competência para conhecer da responsabilidade dita administrativa pertencia aos tribunais judiciais.
3ª fase: a publicação do CC de 1966 veio provocar modificações importantes ao dispor apenas acerca da responsabilidade por danos causados “no exercício da atividade de gestão privada” (art. 501º), deixando para as leis administrativas a disciplina da responsabilidade da Administração “no domínio dos atos de gestão pública”, a qual veio efetivamente a ser estabelecida pelo DL n.º 48051, de 21 de novembro de 1967. Este, fiel ao paradigma da responsabilidade pelo facto de terceiro, consagrou um regime diferenciado de responsabilidade da Administração em matéria de factos ilícitos e culposos dos seus órgãos, funcionários ou agentes e, como figura geral, a responsabilidade exclusiva e objetiva da mesma Administração no que se refere à responsabilidade pelo risco e à responsabilidade por facto lícito. Sistemas (B) e (C).
Correspondentemente foi revista a matéria da competência contenciosa: pelos danos causados no desempenho de atividades de gestão privada, a Administração respondia segundo o direito civil e perante os tribunais judiciais; e pelos danos causados no desempenho de atividades de gestão pública, a Administração respondia segundo o direito administrativo e perante os tribunais administrativos.
4ª fase (atual): a CRP de 1976 autonomizou, no art. 22º, a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas da responsabilidade dos seus funcionários e agentes, estabelecendo que os primeiros respondem “em forma solidária” com os segundos “por ações e omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”. Apesar de todas as dificuldades suscitadas pelo seu teor literal, este preceito nunca foi objeto de qualquer modificação.
As sucessíveis leis sobre as atribuições e competências das autarquias locais reiteraram os termos essenciais consagrados no DL n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, assentes na distinção entre responsabilidade funcional e responsabilidade pessoal. Sistemas (B) e (C).
Posteriormente, a Reforma do Contencioso Administrativo de 2002-2003 veio remeter o tratamento de todas as questões relativas à responsabilidade civil da Administração para os tribunais administrativos através da ação administrativa comum. Com efeito, o novo ETAF concentrou nos tribunais administrativos a competência para conhecer da responsabilidade civil contratual resultante do incumprimento de contratos públicos ou de contratos administrativos. Idêntica solução foi adotada quanto à responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, dos titulares de órgãos, funcionais, agentes e demais servidores públicos, e da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.
O RCEEP foi aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Dois dos objetivos prosseguidos foram: aproximar o quadro normativo legislado da jurisprudência dos tribunais administrativos e o de dar cumprimento à obrigação de transposição de diretivas comunitárias em matéria de responsabilidade pré-contratual.
Em síntese, importa considerar a contraposição entre a responsabilidade civil da Administração Pública e a responsabilidade civil dos seus agentes. Acresce que, se no plano adjetivo, o meio processual e os tribunais competentes são os mesmos, independentemente do tipo de atividade concretamente em causa, no plano substantivo continua a fazer sentido distinguir entre a responsabilidade civil emergente do “exercício de atividades de gestão privada”, cujo regime consta do art. 501º CC, e a responsabilidade civil emergente do “exercício da função administrativa”, regulada pelo CCP e pelo RCEEP.


Bibliografia: 
Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3ª edição, 2016, Almedina, Coimbra.


Beatriz Pestana Canada, subturma 10, Turma B, 2ºano

INEXISTêNCIA


Inexistência do ato administrativo

            A atividade administrativa encontra-se subordinada à função legislativa e deve pautar-se por determinados princípios, nomeadamente o princípio da legalidade. Assim, surge a questão da validade do ato administrativo. Nas palavras de SÉRVULO CORREIA: “a validade corresponde a um juízo de valor segundo o qual o ato reúne os requisitos legalmente exigidos para a produção dos seus efeitos específicos. Esse juízo baseia-se, pois, na existência de uma série de requisitos de validade (…)”. Tais requisitos de validade incidem sobre os elementos intrínsecos do ato administrativo, expressão que deve ter o conteúdo dispostos no CPA.
            Antes do CPA, uma parte importante da doutrina e da jurisprudência entendia que a nulidade e a inexistência eram sinónimas, isto é, um ato nulo era um ato juridicamente inexistente, e a inexistência jurídica seria o mesmo que a nulidade. Outra parte da doutrina, em que se insere o PROF. DIOGO FREITAS DO AMARAL, distinguiam a nulidade da inexistência, esta posição é atualmente a posição doutrinal maioritária. Esta distinção assenta na ideia de que “se não há uma conduta unilateral imputável à Administração, se a conduta não traduz o exercício de um poder de autoridade, se ela não tem por conteúdo a definição a definição inovatória de uma situação jurídico administrativa concreta, e não reveste a publicidade legalmente exigida”, conforme enuncia SÉRVULO CORREIA, então trata-se de uma situação de inexistência.
            Com o surgimento do CPA, este passou a enunciar que são nulos os atos a que falte algum elemento essencial, conforme enuncia do art. 133º/1 CPA. Sucede que a maioria dos casos que a doutrina considerava como casos de inexistência eram aqueles em que se verificava a situação de falta de um elemento essencial de ato administrativo. Assim, coloca-se em causa o sentido da distinção entre as duas figuras, no âmbito no referido no art. 133º/1 CPA no novo CPA.
            Na ótica do PROF. VIEIRA DE ANDRADE, a inexistência não é hoje uma categoria enquanto tipo de invalidade, distinta da nulidade. No entanto para os PROFESSORES FREITAS DO AMARAL E PAULO OTERO, a noção de inexistência jurídica continua a ser relevante. O PROF. VASCO PERIRA DA SILVA também defende a inutilidade da distinção entre as duas figuras, argumentando que a cláusula da nulidade está formulada de forma ampla e não taxativa, ou seja, meramente exemplificativa, o que impede a necessidade/utilidade da figura da inexistência.
            Segundo a primeira posição, e tendo em conta que por vezes a lei refere a atos inexistentes, em contextos que não podem significar a mera situação de facto de inexistência, pode admitir-se a figura para efeitos de impugnação
            A doutrina defensora da relevância da noção de inexistência jurídica enquanto tipo de invalidade atende ao facto de o ato administrativo inexistente tentar passar por ato administrativo, mas por lhe faltarem certos elementos estruturais/essenciais que permitam identifica-lo como um tipo legal de ato administrativo, é inexistente. Enquanto o ato nulo de carateriza pela falta ou viciação particularmente grave de um elemento essencial, o que não impede a identificação do tipo legal em que o ato se insere.
            Em conclusão, com a atualização do CPA, colocou-se a questão de saber o sentido da distinção entre nulidade e inexistência. Apesar de a lei elencar expressamente os casos de nulidade (art. 161.º/1 CPA) e não o fazer no caso da inexistência, por os atos inexistentes o serem por natureza, ou por força da lei; a distinção mostra-se relevante. As hipóteses de nulidade e de inexistência diferem, não obstante os regimes jurídicos serem semelhantes e se aplicar o regime da nulidade a ambas as situações. Contudo, não é possível uma identificação completa. Decorre do artigo 134.º/3 do CPA que a possibilidade de, pelo mero decurso do tempo e de acordo com certos princípios gerais de direito, se consolidarem certos efeitos derivados de atos juridicamente improdutivos é qualidade dos atos nulos, mas não dos inexistentes. Para além do mencionado, o CPA admite o aproveitamento de partes do ato nulo, através de reforma ou conversão (art. 164.º/3 CPA); o que se afigura impensável quanto a atos juridicamente inexistentes.


BIBLIOGRAFIA:

AMARAL, DIOGO FREITAS DO – Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 3.ª Edição, 2016
ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE - Lições de Direito Administrativo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 4.ª Edição, 2015
TAVARES, JOSÉ – Administração Pública e Direito Administrativo, Edições Almedina, Edição digital, 2007

sexta-feira, 25 de maio de 2018

O Recurso Hierárquico como Garantia do Particular


As garantias dos particulares têm como função primordial atribuir aos particulares determinados poderes jurídicos que funcionam como proteção contra abusos e ilegalidades da Administração Pública. O professor FREITAS DO AMARAL define-as como “os meios jurídicos criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração Pública.”

As garantias dos particulares dividem-se em garantias políticas, garantias administrativas e garantias contenciosas, sendo o critério de distinção entre elas o critério dos órgãos a quem é confiada a efetivação das garantias. No caso do recurso hierárquico, estamos perante uma garantia administrativa por ser efetivada através de órgãos da Administração Pública. O caráter administrativo do recurso significa que se trata de uma garantia que não se estrutura nem funciona no âmbito dos tribunais do contencioso administrativo, uma vez que se situa plenamente no quadro da Administração. Estas garantias partem da criação de controlos criados por lei para defesa da legalidade e boa administração, mas que podem simultaneamente ser colocados ao serviço do respeito pelos direitos dos particulares.
Dentro da categoria das garantias administrativas, o recurso hierárquico recai nas garantias impugnatórias, que nada mais são do que a possibilidade do particular, perante um ato administrativo já praticado, impugnar o ato, ou seja, atacá-lo com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação – 184º CPA.

As garantias impugnatórias são de quatro espécies – 191º a 199º CPA:
·         Reclamação;
·         Recurso Hierárquico;
·         Recurso Hierárquico Impróprio;
·         Recurso Tutelar.

O professor FREITAS DO AMARAL define o recurso hierárquico como a garantia administrativa dos particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido pelo mesmo. A finalidade do recurso é um elemento essencial do respetivo conceito, sendo que procura obter da autoridade ad quem a revogação ou a substituição do ato recorrido Quando se impugna, impugna-se com um objetivo, que é o de destruir o objeto da impugnação.
Tanto no caso da impugnação de atos ilegais como no de reação contra a omissão ilegal de atos, o superior hierárquico pode, em princípio, substituir-se ao subalterno, exceto se este dispuser de competência exclusiva, caso em que se der provimento ao recurso, só pode ordenar ao subalterno a prática de atos que se lhe afigurarem adequados – 197º/1 CPA.

O recurso hierárquico tem sempre uma estrutura tripartida:
·         O recorrente, que corresponde ao particular que interpõe o recurso;
·         O recorrido, que é o órgão subalterno de cuja decisão se recorre (também chamado “órgão a quo”);
·         Órgão decisório, que é o órgão superior para quem se recorre e que decide o recurso (também chamado de “órgão ad quem”).

São pressupostos do recurso hierárquico que haja hierarquia, que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno, e que esse subalterno não goze por lei de competência exclusiva. A hierarquia caracteriza especificamente o recurso hierárquico, permitindo defini-lo de forma positiva e delimitar o seu âmbito de aplicação.

Como explicado pelo professor JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, o recurso hierárquico corresponde à faculdade conferida aos particulares de impugnarem um ato praticado por um órgão subalterno junto do respetivo superior hierárquico, o qual deve ser entendido como o mais elevado superior hierárquico do autor do ato impugnado.

De acordo com o professor JOÃO BATISTA RODRIGUES REBOUÇAS, o recurso hierárquico consiste num dos mecanismos de pedido de reapreciação do ato administrativo dirigido ao mais elevado superior hierárquico do seu autor, configurando-se como um instrumento importante da hierarquia administrativa.

Passemos agora à classificação dos recursos hierárquicos:
O recurso hierárquico pode ser de legalidade, de mérito ou misto. Os recursos hierárquicos de legalidade consistem naqueles em que o particular pode alegar, como fundamento do recurso, a ilegalidade do ato administrativo impugnado ou a ilegalidade da omissão de ato devido. Nos recursos de mérito o particular pode alegar a inconveniência do ato impugnado ou da omissão de um ato requerido. Por último, nos recursos mistos o particular pode alegar, simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência do ato impugnado ou apenas uma delas. No direito português, a regra são os recursos mistos, sendo que podem ser simultaneamente alegados motivos de legalidade e mérito – 185º/3 CPA. Há, no entanto, exceções em casos em que é estabelecido por lei, sendo possível alegar no recurso hierárquico fundamentos de mérito e não também fundamentos de legalidade, reservando a apreciação destes aos tribunais administrativos.

Há também uma outra classificação, que os distingue entre recursos hierárquicos necessários e recursos hierárquicos facultativos – 185º/1 CPA. Há atos que são verticalmente definitivos porque praticados por autoridades cujos atos são diretamente impugnáveis perante um tribunal administrativo, havendo também atos que não são verticalmente definitivos porque são praticados por autoridades cujos atos não podem ser diretamente impugnados junto dos tribunais administrativos. O recurso hierárquico necessário encontra-se regulados nos artigos 189º e 190º CPA. No entanto, a regra geral é que estes sejam facultativos – 185º/2 CPA, pelo que na ausência de imposição expressa de recurso hierárquico necessário, os atos administrativos lesivos têm-se como verticalmente definitivos. Para que o particular possa alcançar a via contenciosa, tem primeiramente de interpor recurso hierárquico do ato do subalterno para posteriormente da pronúncia do superior, o interessado poder então impugnar no tribunal a decisão do superior hierárquico. O recurso hierárquico necessário é o indispensável para se atingir ato verticalmente definitivo, que possa ser impugnado contenciosamente. Pode o superior dar razão ao subalterno, confirmando o ato, cabendo impugnação contenciosa no tribunal administrativo competente ou o superior dá razão ao particular recorrente, sendo revogado, modificado, ou substituído o ato recorrido, ou ordena ao subalterno que o faça. O recurso hierárquico facultativo é relativo a ato verticalmente definitivo, ou à omissão ilegal dele, já cabendo ação contenciosa. No recurso hierárquico facultativo existe um ato contenciosamente impugnável ou a sua omissão ilegal, como já anteriormente referido. O particular pode então limitar-se a agir em tribunal, podendo somente interpor recurso hierárquico facultativo, ou fazer as duas coisas em simultâneo, discutindo o mérito do ato ou da sua omissão, no recurso hierárquico e a legalidade do ato ou a sua omissão nos tribunais administrativos.

Quanto à interposição do recurso, este é sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou omissão, se a competência se encontrar delegada ou subdelegada – 194º/1 CPA. Tem de ser apresentado ao “órgão a quo”, que o fará seguir para a entidade “ad quem”, para que esta o aprecie e decida – 194º/2 CPA.

Em relação aos prazos, se o recurso hierárquico for para impugnar um ato e este tiver de ser notificado ao interessado, o prazo só pode correr a partir da data da notificação, como referido no artigo 188º/1 CPA. Nos restantes casos o prazo conta-se a partir da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, conforme o que ocorrer primeiro – 188º/2 CPA. Pelo artigo 198º/1 CPA, o prazo é de 30 dias para o recurso hierárquico necessário, no silêncio da lei. Se este prazo não for cumprido, a impugnação contenciosa que venha depois a dirigir-se contra o ato pelo qual o superior decida o recurso hierárquico será extemporânea e, portanto, rejeitada por ter sido proposta fora de prazo. Se o recurso tiver por objeto contestar a omissão ilegal de um ato, o prazo para a interposição conta-se da data do incumprimento da decisão – 188º/3 CPA.

A interposição do recurso hierárquico pode produzir vários efeitos jurídicos, sendo os mais importantes o efeito suspensivo e o não suspensivo, sendo que o primeiro consiste na suspensão automática da eficácia do ato recorrido. Nestes casos, o ato perde a sua eficácia, ficando suspenso até à decisão final do recurso. Só se esta for desfavorável ao recorrente, confirmando o ato recorrido é que o ato retorna à sua eficácia plena.

A regra é que os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo, ao passo que os facultativos não o têm – 189º/1 e 2 CPA – salvo se a lei ou o “órgão ad quem” decidir o contrário – 189º/2 a 4 CPA.
Se tiver efeito não suspensivo, o ato recorrido mantém a sua eficácia enquanto o superior hierárquico competente não decidir sobre ele – 189º/2 CPA.

Passando agora aos tipos de decisão, podemos considerar que há três:
·         Rejeição do recurso, que ocorre quando o órgão ad quem recusa receber e apreciar o recurso por questões de forma – 196º CPA
·         Negação de provimento, quando o julgamento do recurso, incidindo sobre questões de fundo, é desfavorável ao ponto de vista do recorrente
·         Concessão de provimento, que ocorre quando a questão é julgada a favor do pedido do recorrente. A decisão do recurso pode então implicar a revogação, anulação, modificação ou a substituição do ato recorrido, consoante o que foi pedido pelo titular.


Quanto ao prazo de decisão, o prazo é de 30 dias, podendo ser prorrogado até ao máximo de 90 dias – 198º CPA.



Bibliografia:
·         AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª Edição, 2016, Almedina
·         AMARAL, Diogo Freitas do, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, volume I, 1981, Atlântida Editora
·         DIAS, José Eduardo Figueiredo Dias, OLIVEIRA, Fernanda Paula, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2ª Edição, 2010, Almedina
·         GUIMARÃES Vasco, Algumas Notas sobre o Recurso Hierárquico in Revista Jurídica, nº1 Out/Dez. 1982, AAFDL
·         COSTA Emílio, Garantias dos Particulares in Boletim Da Faculdade de Direito de Bissau, nº4 Março 1997

·         REBOUÇAS, João Batista Rodrigues, As Garantias dos Particulares perante a Administração Pública, 2008, Tese de Mestrado



Madalena Dória
Aluna nº 56754

As garantias dos particulares como meio de impugnação do ato administrativo


As garantias dos particulares podem ser definidas como “os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração Pública”, ou mais sucintamente por “os meios jurídicos de defesa dos particulares contra a Administração Pública”. Essencialmente, existem três modalidades, as garantias políticas, as garantias administrativas e as garantias contenciosas, as garantias administrativas distinguem-se por serem efetivadas através da atuação e decisão de órgãos da Administração Pública.
As garantias administrativas efetivam-se utilizando os instrumentos de controlo de mérito e de legalidade dos órgãos da Administração Pública, bem como de uma forma mista, estes instrumentos correspondem a mecanismos de controlo da sua atividade, criados por lei. As garantias de legalidade visam apreciar a ilegalidade do ato, por outro lado, as garantias de mérito visam apreciar o mérito do ato em si, tendo em conta a realidade e ponderando a sua conveniência, adequação e oportunidade.
As garantias petitórias têm na sua base um pedido dos particulares à Administração Pública, existindo ou não um ato administrativo praticado previamente que possa ser invocado, por outro lado, as garantias impugnatórias têm na sua base uma impugnação de um ato administrativo, pressupondo a existência de um ato praticado previamente. Neste post vou abordar em especial as garantias impugnatórias.
As garantias impugnatórias são garantias administrativas, em que perante um ato administrativo já praticado, os particulares tem legitimidade por lei a impugnar esse ato, isto é, a ataca-lo com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação (Art. 184º / 1 e 2 do CPA). Estas podem ser definidas sucintamente como “os meios de impugnação de atos administrativos perante os órgãos da Administração Pública”. As principais espécies são quatro (Art. 191º a 199º do CPA): reclamação, recurso hierárquico, recurso administrativo especial, recurso tutelar.
A reclamação é “o meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu próprio autor”. Esta garantia tem como base a circunstância de os atos administrativos poderem ser revogados, anulados ou modificados pelo órgão que os praticou. Por regra, pode reclamar-se de qualquer ato administrativo, até mesmo de uma omissão ilegal do ato (Art. 184º / 1 / b) do CPA), no entanto, não é possível reclamar do ato que decida uma anterior reclamação ou recurso administrativo, salvo com fundamento em omissão de pronúncia (Art. 191º / 2 do CPA), caso contrário todas as decisões de reclamações seriam sempre suscetíveis de novas reclamações. O regime da reclamação tem natureza facultativa, isto é, a sua não utilização não preclude o uso de outros meios de impugnação. A reclamação, quando interposta, suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal (Art. 190º / 3 do CPA). No entanto, a suspensão do prazo não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa nem de requerer a adoção de providências cautelares (Art. 190º / 4 do CPA). Deste modo, o legislador visa incentivar a utilização de meios de impugnação administrativa. O prazo-regra para o particular apresentar uma reclamação é de 15 dias (Art. 191 / 3 do CPA) e o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias (Art. 192º / 2 do CPA). Em caso de silêncio do órgão competente, segue-se o novo regime de reação contra a omissão de atos ilegais – recurso administrativo ou ação de condenação à prática do ato devido (Art. 192º / 3 do CPA).
O recurso hierárquico é “a garantia administrativa dos particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido pelo mesmo”. No caso da impugnação de atos ilegais como no da reação contra a omissão ilegal de atos, o superior hierárquico pode substituir-se ao órgão subalterno, exceto se este tiver competência exclusiva, caso em que o superior hierárquico apenas pode ordenar ao subalterno a prática de atos que lhe afigurem adequados (Art. 197º do CPA). O recurso hierárquico tem sempre uma estrutura tripartida: o recorrente, é o particular que interpõe o recurso; o recorrido ou órgão a quo, o órgão subalterno de cuja decisão se recorre; o órgão decisório ou órgão ad quem, o órgão superior para quem se recorre e que deve legalmente decidir o recurso. São pressupostos do recurso hierárquico: a existência de hierarquia; que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno; e que este subalterno não goze por lei de competência exclusiva. A distinção entre recursos hierárquicos necessários e facultativos (Art. 185º / 1 do CPA) afigura-se relevante na compreensão do regime do recurso hierárquico: a regra é o recurso hierárquico facultativo (Art. 185º / 2 do CPA) “é o que respeita a um ato verticalmente definitivo, ou à omissão ilegal dele de que já cabe ação contenciosa”; a exceção é o recurso hierárquico necessário (Art. 189º e 190º do CPA), “é aquele que é indispensável para se atingir um ato verticalmente definitivo que possa ser impugnado contenciosamente”; os atos verticalmente definitivos caraterizam-se por não poderem ser diretamente impugnados ao órgão que os praticou perante os tribunais administrativos.
Quanto ao regime da interposição do recurso pelos particulares: este inicia-se com a interposição do recurso, este é “dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou da omissão, se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada” (Art. 194º / 1 do CPA), mas o recurso tem de ser apresentado ao órgão subalterno, o qual fará depois seguir para o órgão superior hierárquico, a fim de que este o aprecie e decida (Art. 194º / 2 do CPA); prazo de interposição, se o recurso hierárquico tiver por objeto a impugnação de um ato, e este tiver de ser notificado ao interessado ou interessados, “o prazo do recurso só corre a partir da data da notificação” (Art. 188º / 1 CPA). nos restantes casos, o prazo conta-se a partir da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, conforme o que ocorre primeiro (Art. 188º / 2 do CPA), “quando a lei não fixe prazo diferente, é de 30 dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário” (Art. 198º / 1 do CPA), se o recurso hierárquico tiver por objeto contestar a omissão ilegal de um ato, o prazo para a respetiva interposição conta-se a partir da data do incumprimento do dever de decisão (Art. 188º / 3 do CPA).
Os recurso administrativos especiais (ou recursos hierárquicos impróprios) são os “recursos administrativos mediante os quais se impugna um ato praticado por um órgão de certa pessoa coletiva pública perante outro órgão da mesma pessoa coletiva que, não sendo superior do primeiro, exerça sobre ele poderes de supervisão”. Só existem estes recursos especiais nos casos expressamente previstos por lei (Art. 199º do CPA). A caraterística distintiva dos recurso administrativos especiais é que estes só existem caso a lei atribua poder de supervisão a um dado órgão de uma pessoa coletiva relativamente a outro órgão da mesma pessoa coletiva, e fora do âmbito de uma relação hierárquica.
O recurso tutelar, também abrangido na categoria dos recurso administrativos especiais, surge autonomizado na sua designação (Art. 199º / 3 a 5 do CPA), “é o recurso administrativo interposto de um ato ou omissão de uma pessoa coletiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa coletiva pública que sobre ela exerça poderes de tutela ou de superintendência”. No entanto, é pressuposto da existência do recurso tutelar a sua consagração expressa na lei (Art. 199 º /1 do CPA). Por outro lado, o recurso tutelar só pode ter por fundamento a inconveniência ou a inoportunidade do ato recorrido nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito (Art. 199º / 3 do CPA). O órgão superior hierárquico, quanto à sua competência decisória, só pode modificar ou substituir o ato recorrido se a lei conferir a este poderes de tutela substitutiva (Art. 199º / 4 do CPA).

Bibliografia:

  • Amaral, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Volume II. Almedina, 2016 (3ª edição), Coimbra.
  • Almeida, Mário Aroso de. Teoria Geral do Direito Administrativo: O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo. Almedina, 2017 (4ª Edição), Coimbra.
  • Caupers, João. Introdução ao Direito Administrativo. Âncora Editora, 2013 (12ª edição), Lisboa.


Nuno Francisco
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